quarta-feira, 4 de maio de 2011

Por detrás da fantasia

No inicio do ano lectivo foi-me sugerida a leitura do livro A Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll no âmbito da disciplina de português. Acho que não falo só por mim quando digo que recebi a sugestão com um certo gozo pois achei que ler um livro infantil da Disney não poderia passar disso, uma brincadeira. Depois de uma interpretação mais aprofundada percebi que estava enganada. 
Não, o livro não tem nada de infantil. É um grande e complexo clássico de Carroll bastante avançado e difícil de comentar.
Após uma leitura aprofundada e cuidadosa da obra podemos abordar alguns temas como o critério de justiça, (que se trata claramente da Lei do Mais Forte), o significado e o significante das palavras, as diversas metamorfoses que decorrem ao longo da obra, entre muitos outros.
Outro aspecto muito falado relativo à obra é a história do autor e a sua fonte de inspiração para escrever Alice.
Muitos comentam que o autor era bastante fora do vulgar. O seu nome não era realmente Lewis Carroll, mas sim Charles Lutwidge Dogson. Nascido em Inglaterra em 1832, foi matemático, lógico, fotógrafo e romancista.
Carroll era um homem muito tímido e penso que podemos fazer um relacionalmente entre ele e a personagem do Rei. Temem a a autoridade. O Rei teme e respeita a Rainha e o autor mostra um certo afastamento com uma das irmãs mais déspota no poema antecedente à historia. Diz-se também que gostava muito de rapariguinhas e corre também pela sociedade que Carroll era pedófilo.
Enquanto leccionava em Oxford, Lewis conheceu um senhor, pai de três meninas, uma delas chamada Alice. Encantou-se com esta menina de sete anos e mais tarde publicou o livro Alice no País das Maravilhas, para o qual a jovem rapariga teve um papel de musa inspiradora.
Para além de ser conhecido como pedófilo, diz-se também que Carroll consumia drogas alucinogénas. Há quem defenda que a obra é baseada numa viagem de LSD e que o facto de Alice ter adormecido e sonhado todo aquele sonho fantástico, retrata um estado de coma semi-profundo provocado pelo consumo de LSD. Drogas como esta, provocam alucinações semelhantes ao sonho que Alice teve depois de ter adormecido à beira-rio. Imaginar plantas ou outros objectos a falar (como acontece com as flores, o Coelho Branco e as cartas), ver coisas a aparecer e desaparecer (como se passa inúmeras vezes com o Gato ao longo da obra) são dois dos exemplos.
É também bastante comentado o chá de cogumelo que Alice bebeu, dado que se trata de uma droga conhecida com o nome científico de Amanita Muscaria. Pode também ser exposto o cachimbo fumado pela lagarta, que geralmente é referido como sendo cannabis. No livro não nos é possível ter uma visualização física da lagarta, mas no filme podemos reparar nos seus olhos encarnados e semi-cerrados, a sua voz arrastada… O facto de a lagarta se apresentar com este aspecto no filme, não prova que Carroll pensava em droga ao criar a Lagarta. No entanto ficamos a pensar que, quando realizou o filme, Tim Burton também suspeitava desse outro lado da história.
O facto de Lewis ser um alucinado ou drogado é um ponto de vista, mas existe um outro não tão falado. O autor sofria de grandes crises de enxaquecas que é uma das causas de uma síndrome agora conhecida como síndrome da Alice no País das Maravilhas. Quem sofre destas doenças pode ter alterações da visão e pode chegar mesmo a provocar alucinações.
Mas porquê? Porque é que tem de haver uma explicação para a obra de Lewis Carroll? Não poderá ser apenas fruto da sua grande imaginação? Como se costuma dizer, “a maldade está nos olhos de quem e vê”.
Relembrando os nossos cinco anos de idade… Quem não imaginava que era tinha super-poderes, que podia voar, ou mesmo salvar o mundo? Uma pessoa pode imaginar e sonhar sem o uso de qualquer tipo de droga. Basta um pouco de inteligência, observação, capacidade de abstracção e um certo interesse pelo fantástico. Qualquer um pode imaginar. Não digo que qualquer um possa escrever uma obra como Lewis Carroll, mas é isso que nos diferencia. Os nossos interesses, as nossas capacidades, os nossos dons.
Alguns defendem que a inspiração para esta história não pode ter sido uma viagem de LSD, pois a droga só foi sintetizada cerca de quarenta anos após a morte do autor. Na minha opinião não é essa a justificação para defender Carroll pois para além de haver alguns registos antigos do uso dessa droga, o autor poderia também ter acesso a um outro tipo diferente de droga.
Na história existem várias referências a factos reais. Relativamente ao Chapeleiro Louco, pode ser associado à conhecida ideia de que alguns chapeleiros ficam loucos devido ao uso do chumbo. Outro aspecto a destacar é a conhecida divergências entre as rainhas encarnadas e brancas, ou mesmo entre a cor em si. Durante a história vemos as cartas a pintarem todas as rosas brancas de encarnado. Isto faz alusão à Guerra das Rosas, um facto histórico.
Existem vários aspectos como este que não se explicam com uma viagem de drogas.
Relembrando novamente o tempo em que éramos pequenos podemo-nos perguntar se a Capuchinho Vermelho falava com animais só porque estava drogada? Ou a Cinderela por transformar um abóbora numa carruagem? A nossa infância seria baseada em quê?
Apesar de ser surreal, acredito que esta historia também possa tratar de uma crítica à sociedade. Vivemos numa sociedade que exige que sejamos perfeitos. Que sigamos todos as mesmas regras e caminhemos nos passos uns dos outros. No mundo perfeito de Alice nada era perfeito, tudo era diferente e cada um, à sua maneira, era aceite.
Custa-me crer que tudo isto foi criado numa droga. É tudo mais complexo que isso. Carroll criticava o pensamento racional. A sociedade acha que se trata de uma alucinação porque se trata de uma fuga aos padrões do que é correcto e considerado “normal”. Ou seja, esta sociedade pensa racionalmente. Vão totalmente contra a mensagem que o autor tenta passar.
No inicio do livro, por exemplo, tentam ensinar Alice. Mostram-lhe um livro sem gravuras, com muitas letras e tão aborrecido que Alice adormece. Isto simboliza o que se ensina as crianças. As regras da sociedade, o trabalho, os deveres, a tradição e tudo o que o Homem criou e de que Carroll parece discordar.
Muitos crêem também que se trata de uma analogia para a adolescência. Todos as mudanças tanto físicas como psicológicas que Alice sofre durante a historia, as suas mudanças de humor, medos e uma certa falta de noção quanto à vida real, demonstram que pode certamente tratar-se de uma relação com a adolescência.
Todas estas teorias podem ter um fundo de verdade. Sim, pode ser uma viagem de drogas. Sim, Lewis Carroll podia ser pedófilo. Sim, pode ser uma crítica à sociedade. Sim, pode ser uma alusão à adolescência. E até mesmo, sim, pode ser fruto de uma enxaqueca.
Lewis Carroll está morto e muito dificilmente se saberá a verdade. Pessoalmente, prefiro viver na ignorância. Uma historia que percorreu comigo a minha infância. Sempre pensada como sendo tão fantástica e que tantas crianças inspirou ao “tudo é possível”. Pensar que tem por trás uma história tão suja como droga ou pedofilia? Para que a desilusão e desapontamento?
“É incrível, mas a mentira pode trazer a felicidade.”

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