terça-feira, 16 de abril de 2013

Justiça no "Memorial do Convento"

I
Introdução”

José Saramago (1912-2010) foi um romancista, cronista, dramaturgo, poeta, tradutor e diretor literário de jornais. Foi premiado, em 1998, com o prémio Nobel da Literatura. Ao longo da sua carreira, Saramago escreveu muitos romances que conseguiram provocar um impacto nas diversas sociedades e culturas mundiais, bem como levar o leitor numa viagem aos problemas do homem e do mundo. A personalidade do autor é, como os seus livros o sugerem, multifacetada e sempre em busca do sentido para esta efemeridade, que constitui a vida e o mundo. Um dos mais belos exemplos dos trabalho saramaguiano é o Memorial do Convento.

José Saramago: "O Memorial do Convento é uma reconstrução histórica a partir da ficção literária, porque toda a narração está fundamentada no passado para compreender o presente."
Jornal de Letras, Lisboa, ano V, nº 190 de 25 de Fevereiro a 3 de Março de 86.


Publicado em 1982, o Memorial do Convento narra o período de construção de um Convento, em Mafra, em cumprimento de uma promessa feita pelo rei D. João V. Em simultâneo, é narrada a construção de uma passarola, que faz parte do sonho de voar do padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão. Ao longo da obra, podemos acompanhar o desenrolar da história de amor entre outras duas personagens: Baltasar Sete-Sóis e Blimunda “Sete Luas”. Portanto, neste romance, encontramos o plano histórico e ficcional continuamente intercalados.

Observa-se, durante a leitura desta obra, que Saramago tem uma intenção de interferência do passado com o presente, com a particularidade de conseguir utilizar a reinvenção da História como estratégia discursiva para olhar a actualidade  Por outras palavras, a História torna-se matéria simbólica para reflectir sobre o presente, na perspectiva da denúncia e dela existir uma moralidade que sirva de lição para o futuro. Por isso, o Memorial do Convento não só problematiza a História como procura, metaforicamente, exprimir uma compreensão do mundo contemporâneo.

Para além disso, o autor apresenta a obra como uma crítica cheia de ironia e sarcasmo. Um dos exemplos das críticas realizadas é a opulência do Rei e dos restantes elementos da nobreza, por oposição à extrema pobreza do povo.


Esta cidade, mais que todas, é uma boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro


II
Justiça em Memorial do Convento”


A justiça refere-se ao Poder Judicial e ao castigo ou recompensa pública. Desta forma, quando a sociedade “pede justiça” perante um crime, o que faz é pedir ao Estado que garanta que o crime seja julgado e castigado com a pena merecida, de acordo com a lei vigente. Assim, a justiça é a divina disposição com que castiga ou compensa, conforme merece cada um.

No Memorial do Convento, encontramos uma sociedade que se encontra dividida em vários sectores, cada um com o seu propósito e objectivo. Porém, vemos continuamente durante a obra, que a Igreja estava a influenciar todos os restantes sectores (cultura, política, estado, entre outros) e ao mesmo tempo realizando todas as missões e finalidades que constituíam a sociedade portuguesa. Esta instituição religiosa, na altura, tinha imenso poder à sua disposição graças à fé cristã que estava a ser praticada pela população portuguesa da altura, especialmente o caso do rei D. João V. Assim, esta fé servia para que o rei tivesse toda a sua confiança na Igreja, para que esta consiga, de certa forma, dominar a sociedade da altura. Para além disso, o povo estava a viver de uma forma mísera e pobre. De tal forma que estava constantemente à espera de um milagre, fazendo com que estivessem numa ignorância perante tudo o que estava a acontecer na época. Podemos então dizer que a foi um dos principais “responsáveis” por esta dominância realizada pela Igreja cristã.

Também conhecida por Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição, criada pelo Papa Gregório IX, no século XIII, servia para combater as heresias religiosas que apareciam na Europa. Com o decorrer do tempo, a Inquisição passa a ter influência em todos os sectores da vida social, política e cultural, e, desde que haja uma denúncia, o acusado está sujeito a torturas físicas e mentais, incluindo a perda de bens e a morte. Os métodos utilizados pela Inquisição como, por exemplo, os autos de fé e as procissões, são continuamente um alvo de crítica de Saramago. Com esta dominância da sociedade portuguesa, a Igreja usufruía desse poder e da ignorância do povo para modificar a política e a cultura portuguesa, de acordo com os seus valores morais e mandamentos.


"A base da sociedade é a justiça; o julgamento constitui a ordem da sociedade: ora o julgamento é a aplicação da justiça."
Aristóteles


Como vemos nesta frase de Aristóteles, a justiça é a base da sociedade. Sem a justiça, a sociedade fragmenta-se e permanece assim se não houver mudanças significativas. No caso do Memorial do Convento, quando alguém é denunciado à Inquisição, esta pessoa não tem o direito de se defender contra esta acusação. Por outras palavras, as pessoas que, supostamente, fizeram algo de mal, não têm os mesmos direitos que as que nada fizeram. Para além disso, na altura, realizavam-se autos de fé e procissões, que serviam para julgar as pessoas que não cumpriam com os dogmas religiosos.

Para concluir, a Igreja da época, com todo o seu poder, tentava “eliminar” todos aqueles que não correspondiam com os ideias religiosos. Agora, tendo em conta com o conceito e a prática de justiça que temos actualmente, a Igreja católica não estava, de facto, a praticar justiça. Porém, se olharmos pelos olhos da Igreja, será que podemos afirmar que eles não estavam a aplicar o que eles achavam que era justiça? Eles não estavam a condenar aqueles que achavam que fizeram algo de mal? 

Por isso, digo que o conceito de justiça é muito ambíguo, pois depende da cultura, dos ideias e da época em que está a ser praticada.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

"A religião é o ópio do povo, o entretenimento dos poderosos"

Ao lermos a obra Memorial do Convento de José Saramago estamos a vivenciar um romance histórico onde o autor conta-nos como era a vida naquela época (Primeira metade do século XVIII). Podemos constatar, no decorrer da ação, a existência de duas narrativas simultâneas: uma histórica, que corresponde à construção do convento de Mafra, e uma outra ficcional, que corresponde à construção da passarola, bem como o desenrolar da história de amor entre Baltasar Sete-Sóis e Blimunda “Sete-Luas”. Isto faz com que seja possível distinguir quatro tipos de acção ao longo de toda a obra: a do Rei D. João V (que vai englobar todas os pertencentes da família real), a dos constrututores do convento, a de Baltasar e Blimunda e a de Bartolomeu Lourenço.
Portanto, encontramos, bem evidenciado, diferenças entre os pertencentes da nobre (ricos) e os pertencentes do povo (pobres). Estas diferenças foram bastante importantes para que a Igreja, na altura, conseguisse ganhar poder. Porém, como é que esta instituição religiosa conseguiu ser tão importante na sociedade na altura?
O povo português era facilmente manipulado pela Igreja, graças aos seus mandamentos e princípios. O próprio rei e os restantes elementos da corte também estão incluídos nesta categoria, pois aceitam todos os desejos e interesses da Igreja que ninguém ousa sequer contestar ou interrogar, sob risco de ser acusado de blasfémia.
A religião era um verdadeiro “ópio popular”. Era a forma perspicaz e inteligente de que a igreja dispunha para manter a ordem e os seus grandes lucros. O povo miserável, vivia continuamente na esperança de um milagre. É, na ignorância, um povo feliz que “desce à rua para ver desfilar a nobreza toda”, esquecendo que são estes os responsáveis pela sua desgraça. No entanto, “este povo habituou-se a viver com pouco” e não é capaz de evidenciar uma atitude crítica, nem de assumir uma postura de revolta, de tal forma que vive hipnotizado com os dogmas da Igreja, assustado com atitudes ou pensamentos que possam significar o julgamento ou o castigo em autos-de-fé, encarados também como diversão, tal como as touradas.
Com isto tudo, a Igreja sabe tirar partido da sua posição de superioridade e da influência que exerce, funcionando simultaneamente como entretenimento e como tribunal, alertando a todos para os perigos que correm caso os mandamentos da santa Igreja não sejam respeitados. Por outras palavras, na obra, não conseguimos distinguir o estado da Igreja, pois um está a ser influenciado pelo outro. Tudo decidido pelo estado tem que corresponder aos princípios da Igreja.
Porém, como acontece em muitos momentos da história mundial, o poder pode corruptar os elementos de uma instituição. Vemos, no decorrer da ação, elementos do clero que desrespeitam os votos que fizeram, submetendo-se à vaidade, à luxúria, à gula, entre outros. Estes pecados são os que enganam o povo, com o intuito de o manter ignorante e mais facilmente manipulável.