quinta-feira, 6 de junho de 2013

O Sonho - apresentação oral


O livro Memorial do Convento, de José Saramago, é um romance cuja ação central decorre no início do século XVIII. Retrata a personalidade do rei D. João V e narra também a vida de vários operários anónimos que contribuíram na construção do Convento de Mafra. Entre esses operários estava Baltasar, e o romance foca, entre outras coisas, o seu grande amor por Blimunda, mulher dotada do poder da ecovisão (ver o interior das pessoas). Apesar de ser um romance, apresentam-se na obra inúmeros aspectos que a tornam bastante complexa, como a crítica à igreja e as noções de justiça, sacrifício, destino, entre outros. O aspecto que vou apresentar, um dos principais da obra, é o sonho.


Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita.” – Capítulo XVI do Memorial do Convento


Um sonho é um objetivo pessoal que temos na vida, um objetivo para o futuro, pelo qual não devemos desistir, pois é aquilo que nos permite transpor os nossos limites pessoais e alcançar algo que nunca esperaríamos conseguir alcançar.

Na frase "são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita", bem como nas que a seguem, pode-se verificar que o autor considera que os sonhos são a motivação de viver dos humanos, e se perdermos a capacidade de sonhar não conseguimos viver.

Neste mesmo capítulo da obra, encontramos explícita a noção de recompensa ligada aos sonhos; os homens “bons” sofrem ao longo da vida, e a recompensa dos seus infortúnios é encontrada pelos sonhos, pois vai permitir uma distanciação temporária da dor, e é nestes que os homens conseguem realmente voar. Assim, podemos dizer que eles são até bastante importantes até para a nossa saúde mental, como vemos no Memorial o caso de D. Maria Ana que pelo sonho fugia da sua existência infeliz. A rainha, por causa do seu estatuto social, era constantemente subjugada pelas responsabilidades e pelo próprio marido, encontrando refúgio nos sonhos, os quais, apesar de lhe transmitirem um sentimento de vergonha e culpa, permitiam-na expressar a sua revolta em relação à situação em que vivia, concedendo-lhe um certo poder que a levava a ser algo mais do que rainha – uma mulher com total independência para poder explorar a sua sensualidade.

Os sonhos também têm a capacidade de influenciar não só os sonhadores como outras pessoas. Aliás, ao longo do tempo, sonhos ambiciosos como voar, navegar ou construir algo grandioso possibilitaram um progresso na sociedade. E até mesmo os sonhos mais pequenos como ter um filho vão desenvolvendo aos poucos o nosso mundo, tornando-o melhor ou por vezes pior.

Podemos por isso dizer, e até encontramos este tipo de pensamento na obra, que o mundo está como está porque alguns um dia sonharam que gostavam que fosse assim, e tiveram a vontade para o cumprir. Esta ideia é marcante no Memorial do Convento, como podemos ver por esta passagem que se segue:


Esse gancho que tens no braço não o inventaste tu, foi preciso que alguém tivesse a necessidade e a ideia, que sem aquela esta não ocorre, juntasse o couro e o ferro, e também estes navios que vês no rio, houve um tempo em que não tiveram velas, e outro tempo foi o da invenção dos remos, outro o do leme, e, assim como o homem, bicho da terra, se fez marinheiro por necessidade, por necessidade se fará voador


Como verificamos então, o sonho é um tópico central no Memorial do Convento, e é a partir deste que se fazem as grandes construções da obra.

Por exemplo, o convento de Mafra nunca teria existido se o rei D. João V não tivesse desejado ter filhos. E, para além de cumprir a sua promessa a frei António, também a construção do convento é realizada pelo sonho egoísta que o rei tem de se tornar um ser imortal. Assim, o sonho de um homem mudou a vida de muitos outros para pior, pois em vez de se importar com o sofrimento e o esforço sobre-humano que recai sobre aqueles que constroem o edifício, ou pela despesa descomunal que o projecto envolve, só se preocupa em alimentar a sua vaidade e sentido de grandeza. Os construtores do convento sofrem porque não partilham o sonho com o rei, a obra encontra-se alienada à sua vontade.

Mas o sonho pode também ser criador de algo transcendental, se a criação estiver ligada aos construtores pelo sonho, como é o caso da passarola. Esta é, inicialmente, o sonho de um único homem, o Padre Bartolomeu de Gusmão, mas acaba por ser partilhado por Baltasar, Blimunda e Domenico Scarlatti. Este sonho vai-se concretizar através do voo da passarola, graças à conjugação harmoniosa da ciência, trabalho artesanal, magia e arte musical com o empenho e vontade de ter sucesso de todas as personagens intervenientes.

A passarola representa não só o sonho de voar mas também o desejo de superar os limites humanos. Podemos então afirmar que esta, tal como o convento, é a matéria que resulta do sonho humano e da vontade que estes têm de se transcender.

Concluindo, o que o Memorial do Convento nos mostra é que o sonho, para além de ser a base dos nossos mundos pessoais, é algo poderoso que, quando bem aplicado, pode levar a uma elevação do sujeito a algo que o ultrapassa. Podemos ter tudo para realizarmos o nosso sonho, mas o mais importante é a vontade e fé para lutar por ele.



(...) só os pássaros voam, e os anjos, e os homens quando sonham” – Baltasar (pg 63 do Memorial do Convento)

Aos meus alunos do 12º ano

Este é o vosso último dia de aulas no Ensino Secundário, assim considerado de acordo com o calendário lectivo. Este é o último dia em que vos encontro nas circunstâncias específicas de uma sala de aula. Diz-se que estes dias são dias de despedida. É verdade. Por esse motivo, costumam ser feitos balanços e demais considerações acerca do passado. Neste caso seria de um passado comum que convosco tive o privilégio de partilhar.
Contudo, não é do nosso passado comum que me lembrei de vos falar hoje. Desse passado permanecerão as memórias que trazemos nas nossas lembranças e que a todos nós permitirão um dia convocar a nostalgia que nos alimenta nos momentos difíceis e que nos consolam em direcção ao futuro individual que cada um de nós tem pela frente.
O meu tópico final que hoje vos apresento, a alguns ao fim de seis anos, dirige-se ao futuro. A um futuro que, embora não tenha parecido muitas vezes, sempre esteve presente nas nossas aulas, até porque, num certo sentido, as pessoas de tenra idade ainda não têm passado e, apesar de viverem imersas num presente que fervilha, criando a ilusão de que apenas ele existe, só têm futuro.
De qualquer forma, como tudo aquilo que é de facto essencial, o futuro de que vos quero falar só pode fazer sentido se o conseguirmos contemplar de acordo com a nossa História, que o mesmo é dizer, de acordo com os valores da tradição cultural que nos molda e que, por sua vez, nós temos de moldar.
O tópico de que vos falo, enfim, é a Liberdade.
Ocorreu-me falar-vos de Liberdade, partindo de um autor antigo, de um dos maiores autores que a nossa civilização alguma vez conheceu: Dante Alighieri.
Não consigo conceber uma sociedade futura sem Liberdade e vocês serão os agentes que hão-de transformar essa sociedade.
A liberdade separa águas entre a cega escuridão infernal e a transparente alvorada “de um zéfiro oriental” que acolhe Dante e Virgílio no Purgatório. Esta é uma liberdade muito diferente daquela que nós, modernos, entendemos como tal. A nossa liberdade é uma liberdade política, assente no abuso de uma legislação ou de um poder opressor. É uma liberdade social, que resulta da necessidade e da desigualdade. É uma liberdade pessoal, não condicionada, resultante de uma realização pessoal de si, ou do prazer próprio. Falamos em liberdade de voto, de consciência, de opinião. É destes conceitos que falamos quando comumente falamos em liberdade. No entanto, quando falamos de Dante, a ideia de liberdade não é de uma liberdade de alguma coisa, mas sim de uma liberdade que provém de alguma coisa. Para Dante, a liberdade é o avesso da servidão. Numa carta dirigida aos seus contemporâneos, o autor da Commedia enuncia quatro verbos de coacção que delimitam com exactidão a ideia oposta à de liberdade. Os verbos são: dominar, obrigar, aprisionar, proibir. Para Dante, a liberdade resulta de um contraste e, por conseguinte, de um compromisso com o objectivo de ultrapassar a condição de escravidão.
Ao longo dos anos fomos lendo obras diversificadas. A literatura proporciona-nos a possibilidade de pensarmos e de, através das ideias que vamos construindo, desenharmos o nosso próprio destino, ou pelo menos de nos iludirmos perante a possibilidade de dominarmos o mundo, mesmo que esse mundo seja o do nosso quintal. Um quintal onde nos podemos sentir confortáveis, mas cuja ideia de permanência não está imune à vulnerabilidade dos tempos.
Há um par de anos, muitos pensariam impensável a supressão de direitos fundamentais a que hoje em dia vamos assistindo. De tal modo essa perda se tem processado de forma sistemática e precisa que, durante muito tempo, pareceu indolor. Contudo, com o tempo, e por via dessas perdas acumuladas, a nossa sociedade debilitou-se e a ideia de progresso imparável que durante muito tempo moldou o pensamento do cidadão comum, deu lugar a uma época de incertezas.
Não podemos dizer que não temos liberdade: de expressão, de voto, por exemplo. Contudo, o sentido do conceito de liberdade tem sido esvaziado. Vivemos num período histórico perigoso, movido pela necessidade. O homem que se quer livre é aquele que não vive da necessidade de satisfação das coisas básicas de vida. O homem que vive submerso na necessidade de satisfação daquilo que é básico passa a ter em risco, para além dos bens de satisfação imediatos, algo que é ainda mais importante: a sua dignidade.
O ponto a que chegámos requer pessoas informadas e capazes de conceber juízos críticos que proporcionem o restabelecimento de uma sociedade vigorosa e digna, e, por conseguinte, Livre.
Como podem observar, as notícias que vos trago não são as mais promissoras, porque implicam um trabalho árduo de restabelecimento de uma ordem nova, de um mundo novo em que os homens possam sentir-se de facto o centro das decisões mais importantes das suas vidas. Essa tarefa está destinada a ser cumprida pela vossa geração.
Desejo-vos coragem, tenacidade, teimosia na prossecução da tarefa.
O futuro está aí!

Resta-me agradecer a paciência que sempre tiveram para comigo e a forma sempre educada e gentil como me trataram ao longo destes anos em que a escola foi sempre um lugar muito agradável para mim.

Carlos Jesus

terça-feira, 4 de junho de 2013

Padre Bartolomeu Lourenço - Síntese Apresentação Oral

             O memorial do convento, um romance histórico, social e espacial, articula o plano histórico e ficcional, de modo a propor uma reflexão sobre comportamentos e sobre o mundo onde predomina a magia do inexplicável, ideia que nos é desde logo apresentada com a epígrafe de Marguerite Yourcenar:

        "Sei que caio no inexplicável, quando afirmo que a realidade, - esta noção tão flutuante -, o conhecimento mais exacto possível dos seres é o nosso ponto de contacto, e a nossa via de acesso às coisas que ultrapassam a realidade."

        Isto é, as vozes do narrador têm como meta a crítica aos tempos representados, mas sobretudo ao presente que vive. Implicam um contacto entre as duas realidades, de modo a compreender o que vai para além destas, o mundo em que vive. 

        Escolhi então como tema da apresentação o papel do Padre Bartolomeu Lourenço, isto porque é nesta personagem que se cruzam todos os conceitos, todas as críticas implícitas no espírito da letra. 

        Símbolo das novas ideias, causadoras de estranheza na sociedade, tornou-se alvo apetecido da Inquisição, paralelamente à sua simbologia sonhadora, capaz de despertar a vontade de transcender. 

        Carrega dentro dele o título de estrangeirado, por ir aprender lá fora aquilo que em Portugal é criticado, os novos conceitos. Título esse que está na base de uma crítica aos portugueses por se apegarem demasiado à definição do homem como bicho da terra, não tentando por isso o alargar dos horizontes. 

        Tem ainda a seu cargo o estatuto de voador, isto porque é o único a desprender-se da ideia geral de ser humano afirmando: "O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará", o que remete para a ideia de sacrifício como inerente à própria condição humana, constituindo metaforicamente uma glorificação aqueles que aceitam o desafio como um modo de aprendizagem e lutam até poder um dia atingir tudo o que sonharam. Deste modo, a personagem referida reúne em si o espírito de sacrifício, pela aceitação do seu sonho por parte dos outros, a vontade e a excentricidade, isto porque se deixa envolver demasiado pela vontade, como podemos verificar no excerto seguinte:

        “Pudesses tu ver a nuvem fechada que dentro de ti está, ou de ti, ou de mim, pudesses tu vê-la e saberias que é bem pouco uma nuvem do céu comparada com a nuvem que está dentro do homem”

        Esta ideia excêntrica da vontade como motor da vida que deu origem à sua loucura.

        Esta ideia de voador permite ainda ao narrador estabelecer uma distinção entre a fé e a religião como poder político, isto porque o padre apesar de crente e orador origina a critica à crise de fé, pela sua perseguição, visto que na obra a religião é vista a como o entretenimento dos poderosos, como meio de manterem a opinião e argumentação do povo na obscuridade, utilizando algo a que todos eles se apegam como comando do seu destino, assim, a religião em “O Memorial do Convento” é como que uma partido politico e não um ideal de religação e união dos que partilham a fé.

         A fé não implica dependência, uma pessoa crente pode e deve questionar a condição do homem, porque a realidade não se esgota nela mesma, esta é mais abstrata do que pensamos, o que nos é transmitido através da personagem do padre.
        
         Assim o narrador vinca a complexidade e excentricidade desta personagem, como um ser fragmentário e atormentado, algo explicito na seguinte passagem:

         “Três, se não quatro, vidas diferentes tem o padre Bartolomeu Lourenço, e uma só apenas quando dorme, que mesmo sonhando diversamente não sabe destrinçar, acordado, se no sonho foi o padre que sobe ao altar e diz canonicamente a missa, se o académico tão estimado que vai incógnito el-rei ouvir-lhe a oração por trás do reposteiro, no vão da porta, se o inventor da máquina de voar ou dos vários modos de esgotar sem gente as naus que fazem água, se esse outro homem conjunto, mordido de sustos e dúvidas, que é pregador na igreja, erudito na academia, cortesão no paço, visionário e irmão de gente mecânica e plebeia em S. Sebastião da Pedreira, e que torna ansiosamente ao sonho”
        
         Esta personagem constitui então o ponto de intersecção da narrativa visto que estabelece relações com os dois mundos, a corte e o povo. É por isto também espelho daqueles que apesar de se oporem às ideias do poder, apenas se encontram em contraponto a este, visto que necessitam da sua cobertura para a concretização dos seus sonhos.

         Saramago encontra então, nesta personagem o novo império, o futuro, onde é possível unir o conhecimento dos poderosos e o trabalho do povo, um dos significados da passarola. Assim, a loucura é também aplicada neste conceito, visto que pode significar a impossibilidade de tal união o que é uma crítica à sociedade da época. A passarola é então a harmonia entre o sonho e a sua realização porque viver é procurar a superação de nós próprios.


Catarina Torrinha

segunda-feira, 6 de maio de 2013

26-4 Apresentação Dever e Sacrifício


Dever- ato ou ação que nos é exigido por alguém ou pela posição social em que nos encontramos.

Este Dever pode ser cumprido com satisfação, se tivermos alguma recompensa ou prazer ao fazê-lo ou com Sacrifício.

Encontramos neste conceito de Dever um outro conceito presente no Memorial do Convento, o conceito de Sacrifício.

Sacrifício- ato que envolve sofrimento, custo e esforço.

No Memorial do Convento encontramos alguns exemplos desta relação de conceitos.

O primeiro e mais nítido é a relação do Rei e da Rainha. Como não há amor e apenas estão juntos devido ao dever, pois a posição social em que se encontram exige-lhes que dêem descendência ao reino, todo o tipo de relacionamento que possa existir entre eles será sempre com Sacrifício.

Na página 19, encontramos uma passagem que exemplifica e comprova este exemplo.

 

A relação do Rei com a Igreja ou da Sociedade com o rei é outro exemplo destes conceitos. Igualo estas relações porque tanto o Rei como a sociedade neste caso têm o dever de servir.

O Rei, mesmo pensando ser superior e se colocar no mesmo patamar de Deus, não reparando, acaba por ser um súbdito do Clero. E a construção do convento é uma prova disso mesmo. Provavelmente mesmo sem a promessa de um filho, o rei cumpriria as ordens da igreja. Tal e qual como a sociedade cumpre as ordens dele ao pagar impostos.

 

Há duas perguntas muito importantes que temos de colocar quando se fala de Dever e Sacrifício.

·         O dever é necessariamente algo negativo? 

·         Não é algo que tem de estar sempre presente?

Todos temos que ter responsabilidades, o que é ser responsável? É cumprirmos com os nossos deveres certo? Então o dever está constantemente presente.

Quando pagamos impostos estamos a cumprir o nosso dever enquanto cidadãos, porém se tivermos um bom sistema de saúde ou de justiça sentimos que não estamos a sacrificar-nos em vão e essa ideia de sacrifício é assim desvanecida.

A relação de Blimunda e Baltazar que em tudo difere da do rei e da rainha. Também estava presente o dever, no entanto como havia amor, o dever é cumprido sem sacrifício.

 

·         Será que no Memorial eles têm responsabilidades?

·         Teriam outras alternativas?

 

No memorial, o termo responsabilidade não aparece no verdadeiro sentido. Os cidadãos não tinham outra escolha para além daquela, era um dever sem responsabilidade porque não havia opção de escolha. Só poderiam ter aqueles trabalhos e não podiam rejeitá-los, senão teriam consequências.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Justiça no "Memorial do Convento"

I
Introdução”

José Saramago (1912-2010) foi um romancista, cronista, dramaturgo, poeta, tradutor e diretor literário de jornais. Foi premiado, em 1998, com o prémio Nobel da Literatura. Ao longo da sua carreira, Saramago escreveu muitos romances que conseguiram provocar um impacto nas diversas sociedades e culturas mundiais, bem como levar o leitor numa viagem aos problemas do homem e do mundo. A personalidade do autor é, como os seus livros o sugerem, multifacetada e sempre em busca do sentido para esta efemeridade, que constitui a vida e o mundo. Um dos mais belos exemplos dos trabalho saramaguiano é o Memorial do Convento.

José Saramago: "O Memorial do Convento é uma reconstrução histórica a partir da ficção literária, porque toda a narração está fundamentada no passado para compreender o presente."
Jornal de Letras, Lisboa, ano V, nº 190 de 25 de Fevereiro a 3 de Março de 86.


Publicado em 1982, o Memorial do Convento narra o período de construção de um Convento, em Mafra, em cumprimento de uma promessa feita pelo rei D. João V. Em simultâneo, é narrada a construção de uma passarola, que faz parte do sonho de voar do padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão. Ao longo da obra, podemos acompanhar o desenrolar da história de amor entre outras duas personagens: Baltasar Sete-Sóis e Blimunda “Sete Luas”. Portanto, neste romance, encontramos o plano histórico e ficcional continuamente intercalados.

Observa-se, durante a leitura desta obra, que Saramago tem uma intenção de interferência do passado com o presente, com a particularidade de conseguir utilizar a reinvenção da História como estratégia discursiva para olhar a actualidade  Por outras palavras, a História torna-se matéria simbólica para reflectir sobre o presente, na perspectiva da denúncia e dela existir uma moralidade que sirva de lição para o futuro. Por isso, o Memorial do Convento não só problematiza a História como procura, metaforicamente, exprimir uma compreensão do mundo contemporâneo.

Para além disso, o autor apresenta a obra como uma crítica cheia de ironia e sarcasmo. Um dos exemplos das críticas realizadas é a opulência do Rei e dos restantes elementos da nobreza, por oposição à extrema pobreza do povo.


Esta cidade, mais que todas, é uma boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro


II
Justiça em Memorial do Convento”


A justiça refere-se ao Poder Judicial e ao castigo ou recompensa pública. Desta forma, quando a sociedade “pede justiça” perante um crime, o que faz é pedir ao Estado que garanta que o crime seja julgado e castigado com a pena merecida, de acordo com a lei vigente. Assim, a justiça é a divina disposição com que castiga ou compensa, conforme merece cada um.

No Memorial do Convento, encontramos uma sociedade que se encontra dividida em vários sectores, cada um com o seu propósito e objectivo. Porém, vemos continuamente durante a obra, que a Igreja estava a influenciar todos os restantes sectores (cultura, política, estado, entre outros) e ao mesmo tempo realizando todas as missões e finalidades que constituíam a sociedade portuguesa. Esta instituição religiosa, na altura, tinha imenso poder à sua disposição graças à fé cristã que estava a ser praticada pela população portuguesa da altura, especialmente o caso do rei D. João V. Assim, esta fé servia para que o rei tivesse toda a sua confiança na Igreja, para que esta consiga, de certa forma, dominar a sociedade da altura. Para além disso, o povo estava a viver de uma forma mísera e pobre. De tal forma que estava constantemente à espera de um milagre, fazendo com que estivessem numa ignorância perante tudo o que estava a acontecer na época. Podemos então dizer que a foi um dos principais “responsáveis” por esta dominância realizada pela Igreja cristã.

Também conhecida por Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição, criada pelo Papa Gregório IX, no século XIII, servia para combater as heresias religiosas que apareciam na Europa. Com o decorrer do tempo, a Inquisição passa a ter influência em todos os sectores da vida social, política e cultural, e, desde que haja uma denúncia, o acusado está sujeito a torturas físicas e mentais, incluindo a perda de bens e a morte. Os métodos utilizados pela Inquisição como, por exemplo, os autos de fé e as procissões, são continuamente um alvo de crítica de Saramago. Com esta dominância da sociedade portuguesa, a Igreja usufruía desse poder e da ignorância do povo para modificar a política e a cultura portuguesa, de acordo com os seus valores morais e mandamentos.


"A base da sociedade é a justiça; o julgamento constitui a ordem da sociedade: ora o julgamento é a aplicação da justiça."
Aristóteles


Como vemos nesta frase de Aristóteles, a justiça é a base da sociedade. Sem a justiça, a sociedade fragmenta-se e permanece assim se não houver mudanças significativas. No caso do Memorial do Convento, quando alguém é denunciado à Inquisição, esta pessoa não tem o direito de se defender contra esta acusação. Por outras palavras, as pessoas que, supostamente, fizeram algo de mal, não têm os mesmos direitos que as que nada fizeram. Para além disso, na altura, realizavam-se autos de fé e procissões, que serviam para julgar as pessoas que não cumpriam com os dogmas religiosos.

Para concluir, a Igreja da época, com todo o seu poder, tentava “eliminar” todos aqueles que não correspondiam com os ideias religiosos. Agora, tendo em conta com o conceito e a prática de justiça que temos actualmente, a Igreja católica não estava, de facto, a praticar justiça. Porém, se olharmos pelos olhos da Igreja, será que podemos afirmar que eles não estavam a aplicar o que eles achavam que era justiça? Eles não estavam a condenar aqueles que achavam que fizeram algo de mal? 

Por isso, digo que o conceito de justiça é muito ambíguo, pois depende da cultura, dos ideias e da época em que está a ser praticada.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

"A religião é o ópio do povo, o entretenimento dos poderosos"

Ao lermos a obra Memorial do Convento de José Saramago estamos a vivenciar um romance histórico onde o autor conta-nos como era a vida naquela época (Primeira metade do século XVIII). Podemos constatar, no decorrer da ação, a existência de duas narrativas simultâneas: uma histórica, que corresponde à construção do convento de Mafra, e uma outra ficcional, que corresponde à construção da passarola, bem como o desenrolar da história de amor entre Baltasar Sete-Sóis e Blimunda “Sete-Luas”. Isto faz com que seja possível distinguir quatro tipos de acção ao longo de toda a obra: a do Rei D. João V (que vai englobar todas os pertencentes da família real), a dos constrututores do convento, a de Baltasar e Blimunda e a de Bartolomeu Lourenço.
Portanto, encontramos, bem evidenciado, diferenças entre os pertencentes da nobre (ricos) e os pertencentes do povo (pobres). Estas diferenças foram bastante importantes para que a Igreja, na altura, conseguisse ganhar poder. Porém, como é que esta instituição religiosa conseguiu ser tão importante na sociedade na altura?
O povo português era facilmente manipulado pela Igreja, graças aos seus mandamentos e princípios. O próprio rei e os restantes elementos da corte também estão incluídos nesta categoria, pois aceitam todos os desejos e interesses da Igreja que ninguém ousa sequer contestar ou interrogar, sob risco de ser acusado de blasfémia.
A religião era um verdadeiro “ópio popular”. Era a forma perspicaz e inteligente de que a igreja dispunha para manter a ordem e os seus grandes lucros. O povo miserável, vivia continuamente na esperança de um milagre. É, na ignorância, um povo feliz que “desce à rua para ver desfilar a nobreza toda”, esquecendo que são estes os responsáveis pela sua desgraça. No entanto, “este povo habituou-se a viver com pouco” e não é capaz de evidenciar uma atitude crítica, nem de assumir uma postura de revolta, de tal forma que vive hipnotizado com os dogmas da Igreja, assustado com atitudes ou pensamentos que possam significar o julgamento ou o castigo em autos-de-fé, encarados também como diversão, tal como as touradas.
Com isto tudo, a Igreja sabe tirar partido da sua posição de superioridade e da influência que exerce, funcionando simultaneamente como entretenimento e como tribunal, alertando a todos para os perigos que correm caso os mandamentos da santa Igreja não sejam respeitados. Por outras palavras, na obra, não conseguimos distinguir o estado da Igreja, pois um está a ser influenciado pelo outro. Tudo decidido pelo estado tem que corresponder aos princípios da Igreja.
Porém, como acontece em muitos momentos da história mundial, o poder pode corruptar os elementos de uma instituição. Vemos, no decorrer da ação, elementos do clero que desrespeitam os votos que fizeram, submetendo-se à vaidade, à luxúria, à gula, entre outros. Estes pecados são os que enganam o povo, com o intuito de o manter ignorante e mais facilmente manipulável.

terça-feira, 19 de março de 2013

Isto - apresentação oral


Este poema trata do fingimento e a criação artistica; a racionalização dos sentimentos (<<sinto com a imaginação./nao uso o coração>>); no fundo, é uma explicação do que é o fingimento. 
Este poema relaciona-se com autopsicografia onde se diz que o coração é um comboio de corda que gira sem razão, a razão condiciona o movimento mantendo-o <<nas calhas do roda>> para que continue a girar. 
Este poema tem uma extrutura de texto argumentativo: é apresentada uma tese/introdução, esta é desenvolvida e por fim, há uma conclusão. 
A tese deste poema é que fingir é diferente de mentir. O primeiro pode relacionar-se com o fingimento poetico, este é a intelectualização do sentir (imaginar-se), racionalização dos sentimentos vividos pelo poeta, ele sente-os, pondera-os, pensa neles e intelectualiza-os, tornando possivel perceber o que sente atraves deste proceso. Ele não mente, nunca no acto da criação do poema ele mente. 
A sensação poetica é filtrada pela imaginação, no entanto, nunca no poema são escritas mentiras. Ele sente com a imaginação, não usa o coração mas isso não é mentir é racionalizar os sentimentos para encontrar algo mais belo mas que é inacessível. 
Na segunda extrofe  temos o desenvolvimento. O sujeito poetico pretende ultrapassar o que lhe <<falta ou finda>>. Vemos a distinção entre o mundo real (o terraço) e o mundo ideal (essa coisa que é linda). O objectivo do poeta é, atraves da racionalização, alcançar a coisa bela. 
Na ultima extrofe, temos a conclusão, a conclusão do poeta é conseguir ultrapassar o que está á sua volta (isto é a única verdade para aqueles que dizem que ele mente, não conseguem ver mais nada sem ser o que esta á volta do poeta, não conseguem ultrapassa-la, mas ele consegue.
A poesia não é a expreção imediata das sensações, o verdadeiro poeta sente, pensa no que sente, tem um periodo de incubação e só depois, escreve o que sentiu, pois primeiro tem que perceber o que sentiu, tem que saber o que sentiu, tal só é possivel atraves da intelectualização. 
<<Por isso>> -- pode ser visto como a conclusão do tema, como a chegada ao fim da sua explicação, o poeta já chegou á conclusão
Na última linha do poema o poeta apresenta ironia <<sentir! Sinta quem lê!>> Ele está a adoptar uma possição de ironia a concordar com as pessoas que são "inferiores" a ele, as pessoas que dizem que ele mente, que não conseguem alcançar a sua inteligência e perceber que o que ele faz não é mentir. 
Tanto aqui como em mais ocasiõens no poema é possivel observar a distinção feita entre o poeta e outros como ele, que são capazes de perceber que ele não mente, e os "outros" que julgam que ele mente e que não vêm nada sem ser onque está á sua volta. Isto é visto em partes como: <<dizem>> que se refere a eles, <<não.>> refere-se ao eu, ao poeta,<<do meu>> e <<sinta quem lê>> outra vez a separação entre o poeta e os outros, eles. 
O fingimento poetico não é o mesmomque mentir, é algo que o poeta usa para se conseguir abstrair e assim chegar a algo que é lindo. 

sábado, 16 de março de 2013

O Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro

XVI – Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois



Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhaninha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

Ou então faziam de mim qualquer coisa diferente
E eu não sabia nada do que de mim faziam...
Mas eu não sou um carro, sou diferente
Mas em que sou realmente diferente nunca me diriam.

Depois as ervas vinham a crescer e encobriam-me todo…
Passavam as árvores… e eu já nem era visto…
Comia-me a terra… e eu que era ferro e madeira voltava ao seu lado
Ia direito ao coração da terra como a alma p’ra Cristo.




No início deste poema, o sujeito poético fala-nos sobre a existência rotineira dos carros de bois - passam todos os dias pela mesma estrada, à mesma hora, e voltam sempre para de onde vieram - dizendo que gostava de ter uma vida assim, com rotinas específicas, porque estas trazem consigo um sentimento de paz, tranquilidade, estabilidade.

Diz-nos também que, como estes objetos já cumprem o propósito que lhes foi designado, não precisaria de se preocupar com os seus sonhos e esperanças, pois saberia qual o seu lugar no mundo. Quando já não pudesse servir esse propósito seria dispensado, não teria de envelhecer com angústia e poderia desaparecer do mundo sem dor.

No entanto, ao lermos os versos “Mas eu não sou um carro, sou diferente/Mas em que sou realmente diferente nunca me diriam”, apercebemo-nos de que se calhar a vida do poeta não é assim tão distinta da dos carros de bois que ele descreveu. As características que marcam a existência deste objeto (cumprir uma rotina, viver sem pensar, aceitar a ordem natural das coisas, render-se ao destino, envelhecer sem angústia) são, afinal, as mesmas que distinguem o sujeito poético dos restantes.

Assim, o objetivismo e o sensacionismo que seria de esperar do poeta tornam o poema numa negação de si mesmo pois, ao imaginar a sua vida como sendo algo diferente, ele contradiz os seus ideais e separa-se da natureza. Isto é, até à última estrofe, a qual vai servir como elemento de consolidação de tudo o que foi dito e feito anteriormente.

No final há uma aceitação, o sujeito poético volta a sofrer uma fusão de si mesmo com a natureza e tudo à sua volta. Despersonificando-se, ele volta a fazer parte do seu mundo.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Síntese da apresentação "Ela canta, pobre ceifeira"

Ao longo de toda a sua obra Fernando Pessoa, procura a construção do sujeito, a sua própria constituição através do autoconhecimento, consegue-o com o confronto entre o interior e o exterior.
Neste poema em particular, retrata a ceifeira, comparando-a consigo próprio, uma senhora que representa a naturalidade do trabalho e um estatuto muito próprio na vida, ainda que demostre aceitação e resignação, aparenta felicidade.
Apresenta um ser autêntico, aquilo que Pessoa procura, uma essência inquestionável.
Ao contrário do autor que pensa naquilo que é, a ceifeira não, funciona através de um impulso irracional.
Na análise do poema podemos dividir numa primeira parte em que há a caracterização da ceifeira, e do seu canto, os elementos exteriores.
As últimas três estrofes representam as emoções do sujeito poético face ao canto da ceifeira, um universo mais íntimo do sujeito poético.
Ao longo do poema podemos observar várias antíteses, que representam a própria realidade.
É descrita a felicidade inconsciente da ceifeira que é contrariada pelo pensamento do próprio sujeito poético, por meio destas mesmas antíteses.
São também apresentados diferentes horizontes e realidades distintas para a ceifeira e para o sujeito poético.
Há também uma aspiração ao impossível de Fernando Pessoa ortónimo, no desejo da inconsciência, mas a extensão dos seus sentimentos é diminuída pelo seu pensamento, todo este processo leva-o a interrogações como se a ignorância potencia a felicidade.
No final do poema podemos observar o desejo do sujeito poético ser invadido pelas sensações o que leva a concluir uma anulação momentânea da sua personalidade, uma morte espiritual.
O tópico central é o canto da ceifeira, como metáfora da felicidade que é aspirada.
Este poema leva a interrogações como o que é realmente a felicidade e como pode ser possível atingi-la.
Conclui ainda a apresentação com o confronto com o poema “The Solitary Reaper” de Wordsworth, e ainda com algumas referências ao livro do Desassossego.
Este poema encerra o impossível encontro de opostos e as contradições entre sentir e pensar, consciência ou inconsciência.
 
Mafalda Baptista da Costa

Porque o normal é chato


Mais um início de noite e uma longa caminhada até casa. Todos os dias pelo mesmo caminho, passando pelas mesmas pessoas, mesmas lojas, mesmas casas.
No entanto, de à duas semanas para cá, mal aguentando o frio que me congelava o nariz, reparei numa janela que dava para uma sala. Uma sala quentinha e  simpática até, com cores vivas, uma mesinha de centro junto a uma poltrona vermelha e um piano quase como novo, preto, muito bonito.
Nessa sala estava um casal dito normal a desfrutar de um final de tarde. Ele lia o jornal, enquanto ela estava entretida com as teclas do piano, semivoltada para o marido. No preciso momento em que vi isso senti uma certa inveja. Pensei: « Pessoas felizes as que moram aqui, não têm discussões, têm mesmo aquele ar de quem tem uma vida perfeita, ser pressas sem preocupações a nível de rendas, de perder o emprego(...)» e segui o meu caminho.
No dia seguinte repeti o processo, olhando para dentro daquela janela fechada, e voltei a repeti-lo o resto dos dias.
Ao fim do sétimo ou oitavo dia, apercebi-me de que todos os dias, sempre que passava por aquela janela, aquele “casal perfeito” tinha sempre a mesma postura. Parei e voltei atrás, fiquei cuidadosamente a observá-los.
Morreria de vergonha se alguém me  visse naquelas figuras, perecia uma maníaca obcecada dos filmes.
Depois de um certo tempo armada em “ninja”, não notei alterações. Não havia uma simples troca de olhares ou palavras, de afectos, de empatia. Apenas dois indivíduos que partilhavam o mesmo espaço em posições opostas, ela no piano agindo como se estivesse a queimar tempo e ele no sofá a prestar atenção ao jornal. Ambos com um ar ausente. A única expressão alegre que poderia existir era proveniente de um sítio inexistente naquele lugar.
Por momentos questionei-me, como é que alguém com uma vida estável, sem altos e baixos, sem contratempos poderá estar naquele estado de espírito? Como se nada valesse alguma coisa, afinal de contas têm a vida que qualquer um desejaria.
Segui o meu caminho e por fim, já via a porta de minha casa e pensava « Bom!, o jantar já vai feito, não tenho mais nada para fazer hoje, janto e vou dormir para amanhã ir de novo para o trabalho.».
Depois de jantar quando me dirigia para o quarto, o André agarrou-me pela mão e levou-me até à sala de olhos vendados.
Quando tiro a venda tinha a lareira acesa, um cobertor no chão, uma mesinha com fondue de chocolate, fiquei boquiaberta e feliz ao mesmo tempo. Todo o cansaço que tinha, desapareceu como que por magia. Perguntei-lhe o porquê  daquela surpresa e ele apenas me respondeu «Porque não?O normal é chato!» sorrindo. Nesse momento apercebi-me daquilo que aquilo que vira  naquela casa, não era a vida perfeita mas sim a rotina de duas pessoas que agiam como robôs da sociedade e que contrariamente ao que achava, não eram eles que tinham a vida perfeita, era eu.



terça-feira, 12 de março de 2013

“O Guardador De Rebanhos” – I - Eu Nunca Guardei Rebanhos


 I - Eu Nunca Guardei Rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos, 
Mas é como se os guardasse. 
Minha alma é como um pastor, 
Conhece o vento e o sol 
E anda pela mão das Estações 
A seguir e a olhar. 
Toda a paz da Natureza sem gente 
Vem sentar-se a meu lado. 
Mas eu fico triste como um pôr de sol 
Para a nossa imaginação, 
Quando esfria no fundo da planície 
E se sente a noite entrada 
Como uma borboleta pela janela. 
Mas a minha tristeza é sossego 
Porque é natural e justa 
E é o que deve estar na alma 
Quando já pensa que existe 
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso. 

Como um ruído de chocalhos 
Para além da curva da estrada, 
Os meus pensamentos são contentes. 
Só tenho pena de saber que eles são contentes, 
Porque, se o não soubesse, 
Em vez de serem contentes e tristes, 
Seriam alegres e contentes. 

Pensar incomoda como andar à chuva 
Quando o vento cresce e parece que chove mais. 

Não tenho ambições nem desejos 
Ser poeta não é uma ambição minha 
É a minha maneira de estar sozinho. 

E se desejo às vezes 
Por imaginar, ser cordeirinho 
(Ou ser o rebanho todo 
Para andar espalhado por toda a encosta 
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo), 

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol, 
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz 
E corre um silêncio pela erva fora. 

Quando me sento a escrever versos 
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos, 
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento, 
Sinto um cajado nas mãos 
E vejo um recorte de mim 
No cimo dum outeiro, 
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias, 
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho, 
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz 
E quer fingir que compreende. 

Saúdo todos os que me lerem, 
Tirando-lhes o chapéu largo 
Quando me vêem à minha porta 
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro. 
Saúdo-os e desejo-lhes sol, 
E chuva, quando a chuva é precisa, 
E que as suas casas tenham 
Ao pé duma janela aberta 
Uma cadeira predileta 
Onde se sentem, lendo os meus versos. 
E ao lerem os meus versos pensem 
Que sou qualquer cousa natural — 
Por exemplo, a árvore antiga 
À sombra da qual quando crianças 
Se sentavam com um baque, cansados de brincar, 
E limpavam o suor da testa quente 
Com a manga do bibe riscado.


Caeiro surge-nos neste poema como um poeta da objetividade, do imediatismo das sensações como se pode ver quando diz “Toda a paz da natureza / Vem sentar-se ao meu lado”.
O poeta deseja que os seus versos levem os leitores a imagina-lo como uma coisa natural, como uma arvore, por exemplo, á sombra na qual se sentavam, quando crianças, cansados de brincar.
O poeta apresenta uma linha muito metafórica apresentando-se como sendo um pastor, de olhos ingénuos sempre abertos para as coisas: “Minha alma é como um pastor, /…E anda pela mão das estações/ A seguir e a olhar…/ E desejo às vezes ser um cordeirinho, ou ser o rebanho todo…”
Finalmente Caeiro apresenta-se como anti metafísico, negando a utilidade do pensamento como se pode observar dos versos 21-25.
O pensamento tem mesmo um valor negativo: se não pensasse os seus versos não teriam nada de tristeza, seriam apenas “Alegres e contentes”.
“Pensar incomoda como andar à chuva” Foi este incómodo de pensar que Fernando Pessoa nunca conseguiu evitar. Já se viu que a “dor de pensar” sempre o torturou, inventando muitas saídas para o drama do seu “eu” dividido entre o real e o imaginário, entre o ser e o não ser. A tentativa mais radical de fugir à dor foi esta de transferir a sua alma para um poeta pastoril que olha e sente o mundo com a simplicidade com que uma criança olha para uma flor.
A plena felicidade exige não só o olhar simples de uma criança, mas também a sua inconsciência, por isso o poeta não se consegue libertar da inteligência que tolda a simples alegria de viver.

Descrição do quadro de Edward Hopper


Era naquela pequena sala amarelada, com um estilo clássico e um traçado minimalista que estavam Benedita e Alonso, um casal de emigrantes argentinos que se mudara há pouco tempo para uma pequena habitação tradicional no centro de Lisboa.
Conhecem-se há dez anos, mas estavam casados apenas há dois.
Benedita, enquanto Alonso trabalha fica em casa a fazer os seus hobbies prediletos, pintar e tocar piano. Ele chega sempre ao anoitecer do dia e ambos se encontram naquela sala, para estarem um pouco juntos, compartilharem momentos de intimidade e terem conversas serenas.
Naquela noite Alonso sentara-se na poltrona a ler o seu jornal diário, enquanto Benedita se aproximava dele com um ar extremamente ansioso, tinha algo para lhe contar.
Lentamente foi chamando a atenção de Alonso, primeiro tocando umas simples notas no piano depois pousando-lhe a mão no ombro. Alonso olhou para ela com um ar carinhoso, como se a estivesse a admirar nos seus pensamentos. Impaciente, Benedita diz “ Preciso de te contar uma coisa, estou muito feliz… E acho que também vais ficar.” Alonso fica com uma cara surpresa e profere “Querida…diz-me”, Benedita deixa cair uma lágrima e verbaliza “Estou grávida!”
Aquela sala deixou de ser tão vazia e passou a ser um lugar mais confortável, quando ambos se abraçaram e já não se conseguiam largar, perdidos nas tantas lágrimas e soluços de alegria.

Autopsicografia _ Fernando Pessoa

Génese e a natureza da poesia.
O assunto do poema desenvolve-se em três partes, que correspondem a cada uma das estrofes.

1ª ESTROFE:

O primeiro verso contém a ideia fundamental do poema, "o poeta é um fingidor", explicado por meio de uma particularização centrada na dor.
 A poesia não está na dor sentida realmente, mas sim no fingimento dela.
Isto é, a dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser fingida, imaginada, tem de ser expressa em linguagem poética, o poeta tem que partir da dor real, “a dor que deveras sente”. Não basta, a expressão espontânea do real. Não há poesia, sem imaginação, sem que o real seja imaginado artisticamente.
É a interação do objecto artístico com a realidade objetiva que lhe serviu de base: “chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente”.

2ª ESTROFE:

O poeta apela à fruição artística da parte do leitor. Este não sente a dor real, a que o poeta sentiu, nem a dor que o poeta imaginou, nem a dor que eles (leitores) sentem, o que o leitor sente é uma quarta dor que se liberta do poema, que é interpretado à maneira de cada um.
Há na segunda estrofe referência a quatro dores: a dor sentida (real), a dor fingida pelo poeta (enquanto escreve), a dor real do leitor e a dor lida (interpretada).

3ªESTROFE:
 "E assim" : o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre a girar nas calhas da roda (que o destino fatalmente traçou) para entreter a razão ou seja par dar continuidade. São aqui marcados os dois pólos em que se processa a criação do poema: o coração (as sensações donde o poema nasce) e a razão (a imaginação onde o poema é inventado). Fecha-se neste fim do poema como que um círculo em que nunca se esgota interação sensação-imaginação.
A expressão “a entreter" pressupõem uma duração, uma repetição de um processo contínuo na criação. Tento que existe uma insistência do poeta no dito fingimento. Este processo é marcado pelas palavras finge, fingir e fingidor. O verbo fingir (do latim "fingere " = fingir, pintar, desenhar, construir) aponta não apenas para disfarçar, mas também para construir, modelar, envolvendo, assim, todo o processo criativo desenvolvido pelo poeta na produção do seu trabalho.
Além da repetição o verbo fingir, há ainda a do verbo sentir associado também à dor.
 A insistência na dor e no sentir está de acordo com o facto de o poeta ter tomado a dor como tema exemplificativo da criação poética e devido às sensações (o sentir) serem o ponto de partida dessa criação.
Nos pares fingidor/dor e razão/coração, em que se poderá ver uma certa intenção expressiva, se relacionarmos razão com fingidor e o coração com dor: ficariam assim em lugar de destaque, bem marcados os dois pólos de criação poética – as sensações e o fingimento.

Por sua vez, o título do poema ("Autopsicografia") pode levar-nos à conclusão de que o poeta quer explicar o processo psíquico que nele se passa, ao elaborar um texto poético.
Por meio do título, o autor quis significar que a teoria da criação poética, exposta no poema, de valor universal porque aplicável a todo o verdadeiro poeta, foi elaborada por via da auto-introspecção  por meio da qual Fernando Pessoa verificou o processo em si próprio. O título aponta para o palco de experimentação e verificação de uma teoria poética que o autor julgou de valor universal.

Apresentação oral do poema "Apontamento"

APONTAMENTO
Álvaro de Campos

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.

O
s deuses que há debruçam-se do parapeito da escada
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zangam com ela.
São tolerantes com ela.
O que eu era um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si-mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?

Um caco.

E os deuses olham-no especialmente, pois nao sabem porque ficou ali.


 Análise do poema

     O título deste poema afirma-se como uma anotação ou um esboço de um momento da vida do poeta marcada pela fragmentação e frustração, mas mostrando alguma vitalidade.
  O poeta inicia o poema com uma espécie de introdução em que nos apresenta diretamente o seu estado de espírito. Podemos também interpretar como uma confissão da parte do poeta acerca dos seus sentimentos.
  Álvora de Campos revela-nos a natureza múltipla da sua alma, ou seja, diz-nos que se sente múltiplo daí sentir-se perdido, sem dignidade, ele no fundo diz que sente não ser ninguém.(V.1 e V.2)

     A alma partida é a desmultiplicação do eu de Fernando Pessoa em vários (os heterónimos), mas esta desmultiplicação não resoltou, porque "partiu-se como um vaso vazio" e esse processo foi muito doloroso para o poeta.
  No verso 3 percebemos que o poeta nao planeou a sua dor, tudo lhe aconteceu por abrigação, ele próprio sentia-se literalmente deixado cair das escadas.
  Após a queda pelas escadas, ele e a sua alma partiram-se em demasiados pedaços que nada nem ninguém os conseguiria juntar novamente.
  Os cacos apresentados ao longo de todo o poema metaforizam a alma fragmentada do sujeito poético. Antes da fragmentação, o poeta, sentia-se "um vaso vazio", depois tem "mais sensções" do que tinha anteriormente.(V.6)

   O poeta diz que não passa de um "espalhamento de cacos", inútil, mas quando se parte existe um "barulho de queda".(V.7 e V.8)
  O sujeito poético sente-se frustado, porque embora sinta a presença dos deuses (V.9), mas eles não se importam de o deixar entregue à sua desgraça humana.(V.10, V.11 e V.12)
  Álvaro de Campos é condenado ao seu estado sem ser ajudado por ninguém, os próprios deuses mesmo cientes do que se está a passar apenas "olham e sorriem"(V.16), os deuses estam limitados à sua própria natureza que os impede de vir à Terra.(V.14, V.15 e V.16)
  Aqui a criada surge como intermediária à vontade dos deuses, não é a responsável, apenas apresenta-se como um instrumento nas mãos dos deuses. Por isso os deuses mostran-se "tolerantes à criada".(V.17)
  De todos aqueles cacos de que o poeta fala apenas um sobressai (V.19), faz com que o poeta se questione(V.20), o que nos faz perceber que apesar da indiferença dos deuses o poeta ainda permanece lá, ainda existe alguma vitalidade.
  No fim do poema, o poeta chega à conclusão de que a sua obra é como ele dispersa e desorganizada. O caco (a alma do poeta) é incompreendido, nem os deuses o compreendem por isso não têm compaixão para com o poeta.(V.22)