domingo, 27 de janeiro de 2013

Apresentação Oral - Secção I da "Chuva Oblíqua" de Fernando Pessoa

    O Modernismo surgiu em Portugal em 1915 com a publicação da revista "Orpheu". De entre os vários grupos de artistas plásticos e de escritores que participaram neste movimento, podemos destacar nomes como Fernando Pessoa, Amadeu de Souza-Cardoso, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e Santa Rita. 

    A diversidade é uma das marcas mais importantes do Modernismo, no sentido em que cada artista plástico ou escritor tentava encontrar o seu caminho pessoal de questionação dos valores existenciais e dos valores estéticos da sociedade na altura. Por outras palavras, tentavam escolher o processo mais adequado à sua personalidade. 

    Ao realizarem estes processos escandalizavam e assustavam os intelectuais e a sociedade "bem pensante" da época. De entre os vários métodos utilizados, dois dos mais importantes foram o Intersecionismo (utilizado na poesia) e o Cubismo (utilizado nas artes plásticas). Estes dois processos, apesar de pertencerem a áreas diferentes, têm algo em comum: o entrecruzamento de planos que se cortam: interseção de realidades físicas e psíquicas, de realidades interiores e exteriores e do espiritual e do material são alguns dos exemplos. O Intersecionismo também tem a ver com a nessecidade de "sentir tudo de todas as maneiras", para uma retenção total de toda a multiplicidade e diversidade da vida moderna. Um dos casos mais paradigmáticos do Intersecionismo é a "Chuva Oblíqua" de Fernando Pessoa. Foi com este poema que Pessoa provocou a grande ruptura com o lirismo português. 

    Na primeira estrofe há a intersecção contínua de planos terrestres com planos aquáticos: «Esta paisagem» - «o porto infinito»; «a cor das flores» - «as velas de grandes navios»; «árvores ao sol» - «o cais sombrio». A paisagem terrestre é representada como sendo a realidade exterior, enquanto o porto e os navios são apenas produto do sonho do poeta: «o meu sonho dum porto infinito» e «o porto que sonho». Verifica-se, portanto, também a intersecção de planos reais com planos oníricos (subjectivos), de realidades presentes com realidades ausentes. É de notar que os planos reais e os planos oníricos estão sempre justapostos antiteticamente: os planos reais estão cheios de sol e os oníricos estão cheios de sombra.

    Podemos concluir então que o poeta projecta o seu estado de espírito no porto sombrio, em contraposição com a alegria das árvores e das flores iluminadas. Vemos ao longo do poema vários exemplos de contraposições de duas realidades: a interior e a exterior. Mas, a luz está sempre do lado da realidade exterior e a sombra é sempre projectada pela subjectividade do poeta.

    Na segunda estrofe, o poeta, num jogo subjectivo, unifica os dois planos antitéticos: «...no meu espírito o sol... é porto sombrio e os navios... são estas árvores ao sol...». Assim, o poeta tenta destruir a relação antitética entre os dois planos, fundindo-os através da intersecção contínua dos seus elementos.


    É o que se verifica na terceira estrofe. O poeta, «liberto em duplo», enumera elementos desses dois planos, que, intersecionando-se, se unificam no seu espírito: «O vulto do cais é a estrada...»; «os navios passam por dentro dos troncos das árvores»; «...deixam cair amarras... pelas folhas dentro»; «com uma horizontalidade vertical». Neste último exemplo, enquanto o plano horizontal nos encaminha para os campos semânticos da realidade física (paisagem real), o plano vertical orienta-nos para os campos semânticos da realidade espiritual ou do sonho.

   Mas, na quarta estrofe, numa nítida intersecção entre o sonho («Não sei quem me sonho!») e a realidade, surge, no fundo da transparência das águas, a paisagem terrestre, as árvores e a estrada, como uma estampa. É aqui que fusão dos dois planos termina.
   Depois, a sombra duma nau mais antiga entra pelo poeta dentro e passa para outro lado da sua alma (a alma do poeta tem duas faces, como já atrás a expressão "liberto em duplo" sugeria). É de notar que, ao contrário do que sucede no princípio do poema, é o porto que parece mais real do que a paisagem, que surge como uma imagem no fundo das águas. No fim do texto, temos a sensação de que o poeta se liberta da realidade, transportando tudo para o campo do sonho, passando para "o outro lado da alma". 

   Podemos ver aqui a necessidade que sempre preocupou o poeta: unificar o seu "eu", continuamente fragmentado. A unificação só podia fazer-se na inteligência (só existe o que é inteligível). Daí a superação, que se foi realizando ao longo do poema, do mundo material pelo mundo onírico.

Descrição do que vejo no quadro

  Uma mulher pensativa sentada ao piano, parecendo ser ignorada pelo homem que está a ler o jornal. Homem este que não parece importar-se muito com uma eventual zanga que possam ter tido quando saiam para tomar um café ou almoçar. Provavelmente para almoçar num restaurante importante, visto a forma pela qual se apresentam vestidos.
  Aparentam ser um casal calmo. Ele homem de negócios. Têm os dois o gosto pela arte.
  A sala onde se encontram parece-me ser a de eleição do homem e deve passar aqui longas horas, fumando o seu charuto.
  Apesar da existência do piano, penso que nenhum deles sabe realmente tocar. A mulher não está à vontade a tocar, simplesmente passa a mão pelas teclas pensando na vida e ele sempre a ler o jornal como se nada fosse e capaz de ir comentando algumas notícias, mesmo vendo que a mulher se sente incomodada com algo.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Síntese Apresentação Oral - Seccção III - "Chuva Oblíqua"


      O poema "Chuva Oblíqua" é característico do Interseccionismo, como já havia sido falado na apresentação da primeira secção. Deste modo, essa visão interseccionista, marcada pela subjectividade, é representada através das expressões geométricas, como a “horizontalidade vertical” na primeira secção e a “Diagonal difusa” nesta terceira. Estas expressões geométricas remetem para algo que não transparece nem o real nem o irreal, nem o espiritual nem o material, nem o real nem o imaginário, uma ideia que está subjacente ao próprio título, Chuva Oblíqua. A Chuva que é transparente e por isso mostra o que está além, mas ao mesmo tempo Obliqua, isto é, um transparente que não transparece, fica entre o real e o imaginário. Assim que a transparência da Chuva se une ao ar e à terra, voltamos ao domínio da subjectividade do “Eu”. 
      
      Se na primeira secção o interseccionismo era marcado pela dicotomia terra-água e na segunda secção pelo contraste luz-sombra (claro-escuro), aqui nesta terceira secção há uma intersecção entre presente e passado. 

      A intersecção destes dois planos (passado e presente) remete para a ideia da fragmentação do sujeito, do seu domínio real e do imaginário. O passado é uma recordação e, para Fernando Pessoa, este é definido como uma construção mental e não como um produto directo da emoção. Esta ideia é por vezes entendida com um fingimento. No entanto, para Fernando Pessoa, fingir não é rejeitar a sinceridade sentimental, é apenas descobrir como é possível estabelecer melhores relações não só com o mundo, mas consigo próprio e essa possibilidade só é plausível aquando uma certa distanciação do real. 

      Mas, do mesmo modo que a recordação como uma construção mental era entendida como um fingimento, também esta busca de melhores relações por meio de uma dissociação terrena é entendida como uma mentira. 

      A mentira é definida no Livro do Desassossego como “simplesmente a linguagem ideal da alma, pois, assim como nos servimos de palavras, que são sons articulados de uma maneira absurda, para em linguagem real traduzir os mais íntimos e subtis movimentos da emoção e do pensamento (que as palavras forçosamente não poderão nunca traduzir), assim nos servimos da mentira e da ficção para nos entendermos uns aos outros, o que com a verdade, própria e intransmissível, se nunca poderia fazer.”

      Esta passagem citada do "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares, estabelece um contraponto com o poema "Conselho", de Fernando Pessoa ortónimo, cujo tema central era a preservação da individualidade como essencial. Deste modo, se os outros nunca iriam perceber inteiramente aquilo que sente, então mais vale intercalar o real com o irreal num sentimento intelectual do que tentar transmitir o intransmissível, que ás vezes o próprio sujeito desconhece. 

      Nesta terceira secção de Chuva Oblíqua, esta dialéctica sinceridade-fingimento, consciência-inconsciência, sentir-pensar centra-se no encontro entre a experiência sensível e a inteligência, ou seja da sensação com o pensamento, isto é, a união entre a vida e o sonho que desfragmentam o sujeito poético.                   Deste modo, quando a experiência real se intersectar com o porto imaginário que nos liberta da realidade que o torna ausente (o sonho), é como se houvesse um encontro de si próprio, do seu "Eu" próprio e intransmissível, algo aparentemente inalcançável. 

      Assim, a terceira seccção de Chuva Oblíqua metaforiza o próprio acto de escrever com imagens, isto é, a criação. 

      Logo nos três primeiros versos é-nos apresentado um presente real desligado do passado imaginário, e imaginário porque passou a recordação a partir do momento em que deixou de ser presente. No primeiro verso "A Grande Esfinge do Egipto sonha pôr este papel dentro..." estão presentes dois símbolos, o Egipto e o papel, que representam o sonho e a realidade, respectivamente. A Grande Esfinge do Egipto é como que o elemento guardião da individualidade e, por isso, domina a própria folha em branco. As alusões à transparência remetem para a individualidade e, por outro lado, as pirâmides definem o sonho. 

      Nos versos "De repente paro.../ Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo" nota-se um mudança de plano, isto é, uma queda no fundo do inconsciente, na qual o sonho assume a primazia e há um domínio total total das imagens que o próprio sujeito criou, ao ponto de se sentir "soterrado sob as pirâmides". 

      No entanto, chega a haver um entrecruzamento do real com o imaginário, quando o poeta associa "o som da minha pena" ao riso da esfinge ("Ouço a esfinge rir por dentro"), altura em que há uma interrupção da interiorização total. 

      Os versos "Jaz o cadáver do rei Queóps, olhando-me com olhos muito abertos,/ E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo/E uma alegria de barcos embandeirados erra", remetem para a ideia de um diálogo mudo do sujeito poético consigo próprio, do qual surgem novas imagens, como os barcos e o Nilo, ambas representantes da transparência, do interior de si. 

      No último verso ("Funerais do rei Queóps em ouro velho e Mim!"), a expressão "ouro velho e Mim", é como que uma metáfora, onde a visão (funerais) acontece numa esfera ideal, isto é, tanto no presente real como no passado intelectual ("Entre mim e o que eu penso"). Este cruzamento de ambos os planos que durante todo o poema eram os dois fragmentos do poeta, nesta fase unem-se num só e determinam o encontro de si próprio. Deste modo, quando há uma visão que acontece simultaneamente no real e no imaginário, o sujeito poético depara-se com o encontro de si mesmo.  

      Os funerais são aqui a representação da morte, uma marca de um novo caminho que se confinar em si mesmo um começo e o fim, então a totalidade do sujeito poético é só um desejo que se verifica em cada secção individual de Chuva Oblíqua.  

Catarina Torrinha

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Interpretação do quadro

Estava um dia nublado, sem luz. sem vida, sem alegria.
Francisca e António eram um casal que vivia numa praceta perto do Largo do Chiado em Lisboa.
Já estavam juntos há 10 anos e o seu maior sonho era um dia virem a ter filhos, mas infelizmente esse sonho não lhes foi concebido. Em vários anos de tentativas tudo o que obtiveram foi desgostos e falsas esperanças.
Francisca trabalhava numa botique com duas amigas. Faziam a roupa por encomenda às senhoras mais idosas e tradicionais ali do Chiado e António, um sapateiro dedicado e trabalhador.
Embora o amor que sentissem um pelo outro fosse inabalável, acabaram por cair numa rotina. Para além dos amigos não tinham mais ninguém perto deles qu os fizesse desviar desse roteiro do quotidiano.
Todos os diasregressavam a casa, e este sem excepcção, para o conforto da presença um do outro. Francisca a pensar nas conversas e fofoquices que tivera na botique durante o dia, sentada ao piano, tocava notas soltas imitindo apenas sons sem qualquer harmonia, projetando o seu poensamento e olhar para o vazio. E António quee chegava cansado a casa, sentava-se à mesa e ler o jornal do dia.
Existe um partilha  de espaço e de certo de sentimentos, mas a tristeza que sentiam todos os dias ao abrirem a porta e não terem nenhuma criança a saltar, a gritar, a querer contar o seu dia e a quem fazer o jangtar fazia-se sentir.
Ambos queriam essa felicidade, mas resignaram-se à sua vida rotineira, em que todos os dias pareciam nublados e não apenas este.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A história de um quadro

Querido diário,
O meu nome é Scarlett e gostava de partilhar um pouco da minha vida, não quero relatá-la ao pormenor  não quero por um tópico no que vou escrever como "o dia de hoje" ou "o sonho da noite passada", não quero escolher um assunto, quero só, hum, tentar explicar, escrever sobre o que me vem há cabeça, sem barreiras, sem limites, sem tópicos...
Hoje apercebi-me de uma certa rotina na minha vida, não o digo com desanimo nem vejo qualquer necessidade de mudar, é reconfortante ter algo constante, algo com que possa sempre contar. Não significa que a minha vida, que o meu dia-a-dia seja sempre a mesma coisa, que seja monótono, não! Não é sobre esse tipo de rotina que estou a falar, refiro-me á rotina de chegar a casa, ao espaço que é nosso, meu e da pessoa que escolhi e me escolheu também, um sitio que não é só meu mas onde há coisas minhas, que me pertencem, só a mim, à minha história pessoal.
Na nossa rotina ele chega a casa e senta-se no seu sofá ao pé do meu piano e começa a ler o jornal. Isso é a sua maneira de espairecer do dia, ao mesmo tempo eu sento-me ao piano e começo a tocar umas notas, não só para mim como faço as vezes mas para ambos. Ele inclina-se para a frente e eu toco de lado para poder olhar para ele enquanto ele fala comigo, tanto sobre o seu como o que vem no jornal. É a nossa hora, o nosso tempo diário em que estamos lá um para o outro, a fazer o que gostamos, o que não mudámos, o que é nosso. O seu gosto pela leitura e o diálogo e o meu gosto pela música. Foi a maneira, inconsciente, que arranjamos para não deixarmos de ser a pessoa que criamos, a pessoa por quem o outro se apaixonou. É como que uma espécie de acordo, eu toco para ele porque é o que gosto de fazer e ele lê e fala comigo porque é o que ele gosta de fazer.
Nunca achei que devesse mudar quem sou por outra pessoa nem nunca quis que mudassem por mim. Podemos adaptarmo-nos, fazer cedências mas não devemos deixar de fazer o que gostamos por outros.
O piano é algo que me pertence, algo físico que faz parte da minha história, no entanto quando estamos na nossa hora de rotina não estou preocupada em acertar em todas as notas, ter todos os tempos certos mas sim em tocar para nós, em conseguir ouvi-lo ao mesmo tempo que o faço, para nos lembrarmos que estamos juntos mas que isso não significa que somos um só, não tenho que abdicar da minha música nem ele tem de estar calado para a ouvir, não é uma pintura a preto e branco mas sim a cores, eu toco mais descontraidamente e ele lê coisas mais informativas, coisas que pode parar de ler por uns momentos e depois voltar ao mesmo sitio sem ter que recomeçar um raciocínio, como ler o jornal do dia. Pode não ser as coisas que ele mais gosta de ler nem as peças que eu mais gosto de tocar mas não nos importamos. E durante este tempo fazemos a nossa rotina, já a devemos fazer há alguns quatro anos no entanto, só hoje me apercebi de que era uma rotina e de que não vejo qualquer mal nela.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Interpretação da pintura de Edward Hopper

  A Joana e o João conheceram-se numa aula de bioquímica na Faculdade de Lisboa. Ambos entraram, com muito boas médias, para o curso de medicina. Nessa aula, invés de estudarem as estruturas das proteínas, eles decidiram falar e rir o tempo todo. A partir dessa aula, eles encontravam-se muitas vezes por semana para “estudarem” ou simplesmente para falar. Depois de alguns meses, eles começaram a namorar. Já passaram oito anos e eles ainda estão juntos.
   O João, depois destes anos todos, resolve pedir a Joana em casamento. Ele, com ajuda do seu melhor amigo Mário, tenta preparar o mais romântico e magnífico pedido de casamento de sempre. Com isto, ele arranja desculpas para ter tempo para se preparar, como “vou trabalhar até tarde” ou “vou ao ginásio”. Porém, o João nunca fui um bom mentiroso, porque, na verdade, ele nunca pôs os pés num ginásio nem gostava de trabalhar horas extras na clínica. Por isso, como é óbvio, a Joana começou a suspeitar. Ela é tão ciumenta e paranóica que até seguia o João. Mas, como não teve resultados, ela decidiu perguntar pessoalmente ao namorado o que se passava. 
  Numa noite, depois do jantar, o João estava a ler o jornal enquanto a Joana estava a lavar a loiça. Quando ela terminou a sua tarefa, resolveu ir ter com o João à sala. Ele estava sentado na sua poltrona a ler o “Diário de Notícias” e ela resolveu sentar-se no banco do piano. Estava tão nervosa, porque tinha medo da resposta à pergunta que ela iria fazer e ele estava tão concentrado na sua leitura que nem a ouviu entrar na divisão. Ela começou a mexer nas teclas do piano para tentar esconder o seu nervosismo. Foi aí que ela finalmente perguntou:

 - Então como vai o trabalho?
 - Vai bem – disse ele.
 - Tens trabalhado muito nestes últimos dias... quase nunca estás em casa.
 - Pois, sou um dos únicos médicos que não estão de férias. Tem de ser. - respondeu o João.
 - Tens razão, mas isso não quer dizer que tenhas de chegar às dez da noite a casa. - disse a Joana, ainda a mexer as teclas do piano.
 - É assim a vida de um médico.
 - Acho que estás a esconder-me qualquer coisa... - disse a Joana, com uma voz suspeita.
 - O quê? Eu? Haha claro que não …. - respondeu nervosamente o João – Que tal eu levar-te a jantar fora amanhã? Vamos ao café “Royale” comer aquela lasanha que gostas tanto!
 - Humm.. está bem. - afirmou Joana, ainda bastante receosa sobre tudo o que estava a passar.

  Na noite a seguir, durante o jantar, o João pôs de parte as suas ideias doidas e pediu, de uma vez por todas, a Joana em casamento. Ela respondeu logo que sim.   

Interpretação do quadro de Edward Hopper

Quando era criança, Emily tinha um diário no qual escrevia todas as coisas sensacionais que iria fazer quando crescesse, como dar a volta ao mundo ou ir a luxuosos bailes de gala onde seria um potencial alvo amoroso de um príncipe encantado. Tendo em conta que atualmente a maior emoção do seu dia é encontrar cereais integrais a metade do preço no supermercado, pode-se dizer que a sua vida ficara aquém do esperado. Não que ela se importasse muito de nunca ter conhecido um príncipe, mas às vezes desejava escapar à rotina e fazer algo mais emocionante.

Estes eram os pensamentos que lhe preenchiam a mente quando entrou em casa e pousou as compras no balcão da cozinha. «Preciso mesmo de uma folga desta vida aborrecida», pensou ela. «Nem que seja só por meia hora».

Acabou de arrumar os produtos e dirigiu-se para a sala, onde o seu marido se tinha instalado a ler o jornal. Sentou-se numa cadeira perto do piano e ficou um momento a contemplar aquele homem que tanto amava, antes de dizer com um tom incerto:

 - ...John?

 - Mm? - disse ele, olhos fixos no papel.

 - Tens alguma reunião hoje à noite?

 - Hoje não.

 - Então estás livre.

 - Sim, porquê?

 - Quero ir dançar.

Ao ouvir esta declaração levantou a cabeça, procurando nas feições da mulher algum indício de gozo.

 - Queres dançar? - perguntou, incrédulo.

 - Sim.

 - E de onde veio essa ideia?

 - A Paula está a organizar um baile de gala e eu quero ir.

 - Hoje à noite?

 - Sim. Vamos?

 - Claro que não!

 - Não? Porquê?

 - Oh Emily, sinceramente, já reparaste que esta semana não estive quase tempo nenhum parado? Dentro e fora de gabinetes, a fazer viagens para cá e para lá, e agora que tento descansar vens-me perguntar se quero dançar?

 - Eu só me queria divertir...

Com isto, John ficou um pouco apreensivo e falou com mais calma:

 - Desculpa, querida. Noutro dia vamos. Mas hoje só quero ficar aqui sentado a ler as notícias do dia.

 - Eu compreendo.

John ficou satisfeito com esta resposta e sorriu, voltando a sua atenção para o jornal. Mas Emily estava desapontada consigo própria. Ele trabalha tanto para lhe dar a melhor vida possível, interromper o seu descanso seria egoísta. Distraidamente, começou a dedilhar as teclas do piano enquanto pensava na desculpa que iria dar à Paula pela sua ausência.