terça-feira, 19 de março de 2013

Isto - apresentação oral


Este poema trata do fingimento e a criação artistica; a racionalização dos sentimentos (<<sinto com a imaginação./nao uso o coração>>); no fundo, é uma explicação do que é o fingimento. 
Este poema relaciona-se com autopsicografia onde se diz que o coração é um comboio de corda que gira sem razão, a razão condiciona o movimento mantendo-o <<nas calhas do roda>> para que continue a girar. 
Este poema tem uma extrutura de texto argumentativo: é apresentada uma tese/introdução, esta é desenvolvida e por fim, há uma conclusão. 
A tese deste poema é que fingir é diferente de mentir. O primeiro pode relacionar-se com o fingimento poetico, este é a intelectualização do sentir (imaginar-se), racionalização dos sentimentos vividos pelo poeta, ele sente-os, pondera-os, pensa neles e intelectualiza-os, tornando possivel perceber o que sente atraves deste proceso. Ele não mente, nunca no acto da criação do poema ele mente. 
A sensação poetica é filtrada pela imaginação, no entanto, nunca no poema são escritas mentiras. Ele sente com a imaginação, não usa o coração mas isso não é mentir é racionalizar os sentimentos para encontrar algo mais belo mas que é inacessível. 
Na segunda extrofe  temos o desenvolvimento. O sujeito poetico pretende ultrapassar o que lhe <<falta ou finda>>. Vemos a distinção entre o mundo real (o terraço) e o mundo ideal (essa coisa que é linda). O objectivo do poeta é, atraves da racionalização, alcançar a coisa bela. 
Na ultima extrofe, temos a conclusão, a conclusão do poeta é conseguir ultrapassar o que está á sua volta (isto é a única verdade para aqueles que dizem que ele mente, não conseguem ver mais nada sem ser o que esta á volta do poeta, não conseguem ultrapassa-la, mas ele consegue.
A poesia não é a expreção imediata das sensações, o verdadeiro poeta sente, pensa no que sente, tem um periodo de incubação e só depois, escreve o que sentiu, pois primeiro tem que perceber o que sentiu, tem que saber o que sentiu, tal só é possivel atraves da intelectualização. 
<<Por isso>> -- pode ser visto como a conclusão do tema, como a chegada ao fim da sua explicação, o poeta já chegou á conclusão
Na última linha do poema o poeta apresenta ironia <<sentir! Sinta quem lê!>> Ele está a adoptar uma possição de ironia a concordar com as pessoas que são "inferiores" a ele, as pessoas que dizem que ele mente, que não conseguem alcançar a sua inteligência e perceber que o que ele faz não é mentir. 
Tanto aqui como em mais ocasiõens no poema é possivel observar a distinção feita entre o poeta e outros como ele, que são capazes de perceber que ele não mente, e os "outros" que julgam que ele mente e que não vêm nada sem ser onque está á sua volta. Isto é visto em partes como: <<dizem>> que se refere a eles, <<não.>> refere-se ao eu, ao poeta,<<do meu>> e <<sinta quem lê>> outra vez a separação entre o poeta e os outros, eles. 
O fingimento poetico não é o mesmomque mentir, é algo que o poeta usa para se conseguir abstrair e assim chegar a algo que é lindo. 

sábado, 16 de março de 2013

O Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro

XVI – Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois



Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhaninha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

Ou então faziam de mim qualquer coisa diferente
E eu não sabia nada do que de mim faziam...
Mas eu não sou um carro, sou diferente
Mas em que sou realmente diferente nunca me diriam.

Depois as ervas vinham a crescer e encobriam-me todo…
Passavam as árvores… e eu já nem era visto…
Comia-me a terra… e eu que era ferro e madeira voltava ao seu lado
Ia direito ao coração da terra como a alma p’ra Cristo.




No início deste poema, o sujeito poético fala-nos sobre a existência rotineira dos carros de bois - passam todos os dias pela mesma estrada, à mesma hora, e voltam sempre para de onde vieram - dizendo que gostava de ter uma vida assim, com rotinas específicas, porque estas trazem consigo um sentimento de paz, tranquilidade, estabilidade.

Diz-nos também que, como estes objetos já cumprem o propósito que lhes foi designado, não precisaria de se preocupar com os seus sonhos e esperanças, pois saberia qual o seu lugar no mundo. Quando já não pudesse servir esse propósito seria dispensado, não teria de envelhecer com angústia e poderia desaparecer do mundo sem dor.

No entanto, ao lermos os versos “Mas eu não sou um carro, sou diferente/Mas em que sou realmente diferente nunca me diriam”, apercebemo-nos de que se calhar a vida do poeta não é assim tão distinta da dos carros de bois que ele descreveu. As características que marcam a existência deste objeto (cumprir uma rotina, viver sem pensar, aceitar a ordem natural das coisas, render-se ao destino, envelhecer sem angústia) são, afinal, as mesmas que distinguem o sujeito poético dos restantes.

Assim, o objetivismo e o sensacionismo que seria de esperar do poeta tornam o poema numa negação de si mesmo pois, ao imaginar a sua vida como sendo algo diferente, ele contradiz os seus ideais e separa-se da natureza. Isto é, até à última estrofe, a qual vai servir como elemento de consolidação de tudo o que foi dito e feito anteriormente.

No final há uma aceitação, o sujeito poético volta a sofrer uma fusão de si mesmo com a natureza e tudo à sua volta. Despersonificando-se, ele volta a fazer parte do seu mundo.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Síntese da apresentação "Ela canta, pobre ceifeira"

Ao longo de toda a sua obra Fernando Pessoa, procura a construção do sujeito, a sua própria constituição através do autoconhecimento, consegue-o com o confronto entre o interior e o exterior.
Neste poema em particular, retrata a ceifeira, comparando-a consigo próprio, uma senhora que representa a naturalidade do trabalho e um estatuto muito próprio na vida, ainda que demostre aceitação e resignação, aparenta felicidade.
Apresenta um ser autêntico, aquilo que Pessoa procura, uma essência inquestionável.
Ao contrário do autor que pensa naquilo que é, a ceifeira não, funciona através de um impulso irracional.
Na análise do poema podemos dividir numa primeira parte em que há a caracterização da ceifeira, e do seu canto, os elementos exteriores.
As últimas três estrofes representam as emoções do sujeito poético face ao canto da ceifeira, um universo mais íntimo do sujeito poético.
Ao longo do poema podemos observar várias antíteses, que representam a própria realidade.
É descrita a felicidade inconsciente da ceifeira que é contrariada pelo pensamento do próprio sujeito poético, por meio destas mesmas antíteses.
São também apresentados diferentes horizontes e realidades distintas para a ceifeira e para o sujeito poético.
Há também uma aspiração ao impossível de Fernando Pessoa ortónimo, no desejo da inconsciência, mas a extensão dos seus sentimentos é diminuída pelo seu pensamento, todo este processo leva-o a interrogações como se a ignorância potencia a felicidade.
No final do poema podemos observar o desejo do sujeito poético ser invadido pelas sensações o que leva a concluir uma anulação momentânea da sua personalidade, uma morte espiritual.
O tópico central é o canto da ceifeira, como metáfora da felicidade que é aspirada.
Este poema leva a interrogações como o que é realmente a felicidade e como pode ser possível atingi-la.
Conclui ainda a apresentação com o confronto com o poema “The Solitary Reaper” de Wordsworth, e ainda com algumas referências ao livro do Desassossego.
Este poema encerra o impossível encontro de opostos e as contradições entre sentir e pensar, consciência ou inconsciência.
 
Mafalda Baptista da Costa

Porque o normal é chato


Mais um início de noite e uma longa caminhada até casa. Todos os dias pelo mesmo caminho, passando pelas mesmas pessoas, mesmas lojas, mesmas casas.
No entanto, de à duas semanas para cá, mal aguentando o frio que me congelava o nariz, reparei numa janela que dava para uma sala. Uma sala quentinha e  simpática até, com cores vivas, uma mesinha de centro junto a uma poltrona vermelha e um piano quase como novo, preto, muito bonito.
Nessa sala estava um casal dito normal a desfrutar de um final de tarde. Ele lia o jornal, enquanto ela estava entretida com as teclas do piano, semivoltada para o marido. No preciso momento em que vi isso senti uma certa inveja. Pensei: « Pessoas felizes as que moram aqui, não têm discussões, têm mesmo aquele ar de quem tem uma vida perfeita, ser pressas sem preocupações a nível de rendas, de perder o emprego(...)» e segui o meu caminho.
No dia seguinte repeti o processo, olhando para dentro daquela janela fechada, e voltei a repeti-lo o resto dos dias.
Ao fim do sétimo ou oitavo dia, apercebi-me de que todos os dias, sempre que passava por aquela janela, aquele “casal perfeito” tinha sempre a mesma postura. Parei e voltei atrás, fiquei cuidadosamente a observá-los.
Morreria de vergonha se alguém me  visse naquelas figuras, perecia uma maníaca obcecada dos filmes.
Depois de um certo tempo armada em “ninja”, não notei alterações. Não havia uma simples troca de olhares ou palavras, de afectos, de empatia. Apenas dois indivíduos que partilhavam o mesmo espaço em posições opostas, ela no piano agindo como se estivesse a queimar tempo e ele no sofá a prestar atenção ao jornal. Ambos com um ar ausente. A única expressão alegre que poderia existir era proveniente de um sítio inexistente naquele lugar.
Por momentos questionei-me, como é que alguém com uma vida estável, sem altos e baixos, sem contratempos poderá estar naquele estado de espírito? Como se nada valesse alguma coisa, afinal de contas têm a vida que qualquer um desejaria.
Segui o meu caminho e por fim, já via a porta de minha casa e pensava « Bom!, o jantar já vai feito, não tenho mais nada para fazer hoje, janto e vou dormir para amanhã ir de novo para o trabalho.».
Depois de jantar quando me dirigia para o quarto, o André agarrou-me pela mão e levou-me até à sala de olhos vendados.
Quando tiro a venda tinha a lareira acesa, um cobertor no chão, uma mesinha com fondue de chocolate, fiquei boquiaberta e feliz ao mesmo tempo. Todo o cansaço que tinha, desapareceu como que por magia. Perguntei-lhe o porquê  daquela surpresa e ele apenas me respondeu «Porque não?O normal é chato!» sorrindo. Nesse momento apercebi-me daquilo que aquilo que vira  naquela casa, não era a vida perfeita mas sim a rotina de duas pessoas que agiam como robôs da sociedade e que contrariamente ao que achava, não eram eles que tinham a vida perfeita, era eu.



terça-feira, 12 de março de 2013

“O Guardador De Rebanhos” – I - Eu Nunca Guardei Rebanhos


 I - Eu Nunca Guardei Rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos, 
Mas é como se os guardasse. 
Minha alma é como um pastor, 
Conhece o vento e o sol 
E anda pela mão das Estações 
A seguir e a olhar. 
Toda a paz da Natureza sem gente 
Vem sentar-se a meu lado. 
Mas eu fico triste como um pôr de sol 
Para a nossa imaginação, 
Quando esfria no fundo da planície 
E se sente a noite entrada 
Como uma borboleta pela janela. 
Mas a minha tristeza é sossego 
Porque é natural e justa 
E é o que deve estar na alma 
Quando já pensa que existe 
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso. 

Como um ruído de chocalhos 
Para além da curva da estrada, 
Os meus pensamentos são contentes. 
Só tenho pena de saber que eles são contentes, 
Porque, se o não soubesse, 
Em vez de serem contentes e tristes, 
Seriam alegres e contentes. 

Pensar incomoda como andar à chuva 
Quando o vento cresce e parece que chove mais. 

Não tenho ambições nem desejos 
Ser poeta não é uma ambição minha 
É a minha maneira de estar sozinho. 

E se desejo às vezes 
Por imaginar, ser cordeirinho 
(Ou ser o rebanho todo 
Para andar espalhado por toda a encosta 
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo), 

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol, 
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz 
E corre um silêncio pela erva fora. 

Quando me sento a escrever versos 
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos, 
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento, 
Sinto um cajado nas mãos 
E vejo um recorte de mim 
No cimo dum outeiro, 
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias, 
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho, 
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz 
E quer fingir que compreende. 

Saúdo todos os que me lerem, 
Tirando-lhes o chapéu largo 
Quando me vêem à minha porta 
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro. 
Saúdo-os e desejo-lhes sol, 
E chuva, quando a chuva é precisa, 
E que as suas casas tenham 
Ao pé duma janela aberta 
Uma cadeira predileta 
Onde se sentem, lendo os meus versos. 
E ao lerem os meus versos pensem 
Que sou qualquer cousa natural — 
Por exemplo, a árvore antiga 
À sombra da qual quando crianças 
Se sentavam com um baque, cansados de brincar, 
E limpavam o suor da testa quente 
Com a manga do bibe riscado.


Caeiro surge-nos neste poema como um poeta da objetividade, do imediatismo das sensações como se pode ver quando diz “Toda a paz da natureza / Vem sentar-se ao meu lado”.
O poeta deseja que os seus versos levem os leitores a imagina-lo como uma coisa natural, como uma arvore, por exemplo, á sombra na qual se sentavam, quando crianças, cansados de brincar.
O poeta apresenta uma linha muito metafórica apresentando-se como sendo um pastor, de olhos ingénuos sempre abertos para as coisas: “Minha alma é como um pastor, /…E anda pela mão das estações/ A seguir e a olhar…/ E desejo às vezes ser um cordeirinho, ou ser o rebanho todo…”
Finalmente Caeiro apresenta-se como anti metafísico, negando a utilidade do pensamento como se pode observar dos versos 21-25.
O pensamento tem mesmo um valor negativo: se não pensasse os seus versos não teriam nada de tristeza, seriam apenas “Alegres e contentes”.
“Pensar incomoda como andar à chuva” Foi este incómodo de pensar que Fernando Pessoa nunca conseguiu evitar. Já se viu que a “dor de pensar” sempre o torturou, inventando muitas saídas para o drama do seu “eu” dividido entre o real e o imaginário, entre o ser e o não ser. A tentativa mais radical de fugir à dor foi esta de transferir a sua alma para um poeta pastoril que olha e sente o mundo com a simplicidade com que uma criança olha para uma flor.
A plena felicidade exige não só o olhar simples de uma criança, mas também a sua inconsciência, por isso o poeta não se consegue libertar da inteligência que tolda a simples alegria de viver.

Descrição do quadro de Edward Hopper


Era naquela pequena sala amarelada, com um estilo clássico e um traçado minimalista que estavam Benedita e Alonso, um casal de emigrantes argentinos que se mudara há pouco tempo para uma pequena habitação tradicional no centro de Lisboa.
Conhecem-se há dez anos, mas estavam casados apenas há dois.
Benedita, enquanto Alonso trabalha fica em casa a fazer os seus hobbies prediletos, pintar e tocar piano. Ele chega sempre ao anoitecer do dia e ambos se encontram naquela sala, para estarem um pouco juntos, compartilharem momentos de intimidade e terem conversas serenas.
Naquela noite Alonso sentara-se na poltrona a ler o seu jornal diário, enquanto Benedita se aproximava dele com um ar extremamente ansioso, tinha algo para lhe contar.
Lentamente foi chamando a atenção de Alonso, primeiro tocando umas simples notas no piano depois pousando-lhe a mão no ombro. Alonso olhou para ela com um ar carinhoso, como se a estivesse a admirar nos seus pensamentos. Impaciente, Benedita diz “ Preciso de te contar uma coisa, estou muito feliz… E acho que também vais ficar.” Alonso fica com uma cara surpresa e profere “Querida…diz-me”, Benedita deixa cair uma lágrima e verbaliza “Estou grávida!”
Aquela sala deixou de ser tão vazia e passou a ser um lugar mais confortável, quando ambos se abraçaram e já não se conseguiam largar, perdidos nas tantas lágrimas e soluços de alegria.

Autopsicografia _ Fernando Pessoa

Génese e a natureza da poesia.
O assunto do poema desenvolve-se em três partes, que correspondem a cada uma das estrofes.

1ª ESTROFE:

O primeiro verso contém a ideia fundamental do poema, "o poeta é um fingidor", explicado por meio de uma particularização centrada na dor.
 A poesia não está na dor sentida realmente, mas sim no fingimento dela.
Isto é, a dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser fingida, imaginada, tem de ser expressa em linguagem poética, o poeta tem que partir da dor real, “a dor que deveras sente”. Não basta, a expressão espontânea do real. Não há poesia, sem imaginação, sem que o real seja imaginado artisticamente.
É a interação do objecto artístico com a realidade objetiva que lhe serviu de base: “chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente”.

2ª ESTROFE:

O poeta apela à fruição artística da parte do leitor. Este não sente a dor real, a que o poeta sentiu, nem a dor que o poeta imaginou, nem a dor que eles (leitores) sentem, o que o leitor sente é uma quarta dor que se liberta do poema, que é interpretado à maneira de cada um.
Há na segunda estrofe referência a quatro dores: a dor sentida (real), a dor fingida pelo poeta (enquanto escreve), a dor real do leitor e a dor lida (interpretada).

3ªESTROFE:
 "E assim" : o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre a girar nas calhas da roda (que o destino fatalmente traçou) para entreter a razão ou seja par dar continuidade. São aqui marcados os dois pólos em que se processa a criação do poema: o coração (as sensações donde o poema nasce) e a razão (a imaginação onde o poema é inventado). Fecha-se neste fim do poema como que um círculo em que nunca se esgota interação sensação-imaginação.
A expressão “a entreter" pressupõem uma duração, uma repetição de um processo contínuo na criação. Tento que existe uma insistência do poeta no dito fingimento. Este processo é marcado pelas palavras finge, fingir e fingidor. O verbo fingir (do latim "fingere " = fingir, pintar, desenhar, construir) aponta não apenas para disfarçar, mas também para construir, modelar, envolvendo, assim, todo o processo criativo desenvolvido pelo poeta na produção do seu trabalho.
Além da repetição o verbo fingir, há ainda a do verbo sentir associado também à dor.
 A insistência na dor e no sentir está de acordo com o facto de o poeta ter tomado a dor como tema exemplificativo da criação poética e devido às sensações (o sentir) serem o ponto de partida dessa criação.
Nos pares fingidor/dor e razão/coração, em que se poderá ver uma certa intenção expressiva, se relacionarmos razão com fingidor e o coração com dor: ficariam assim em lugar de destaque, bem marcados os dois pólos de criação poética – as sensações e o fingimento.

Por sua vez, o título do poema ("Autopsicografia") pode levar-nos à conclusão de que o poeta quer explicar o processo psíquico que nele se passa, ao elaborar um texto poético.
Por meio do título, o autor quis significar que a teoria da criação poética, exposta no poema, de valor universal porque aplicável a todo o verdadeiro poeta, foi elaborada por via da auto-introspecção  por meio da qual Fernando Pessoa verificou o processo em si próprio. O título aponta para o palco de experimentação e verificação de uma teoria poética que o autor julgou de valor universal.

Apresentação oral do poema "Apontamento"

APONTAMENTO
Álvaro de Campos

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.

O
s deuses que há debruçam-se do parapeito da escada
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zangam com ela.
São tolerantes com ela.
O que eu era um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si-mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?

Um caco.

E os deuses olham-no especialmente, pois nao sabem porque ficou ali.


 Análise do poema

     O título deste poema afirma-se como uma anotação ou um esboço de um momento da vida do poeta marcada pela fragmentação e frustração, mas mostrando alguma vitalidade.
  O poeta inicia o poema com uma espécie de introdução em que nos apresenta diretamente o seu estado de espírito. Podemos também interpretar como uma confissão da parte do poeta acerca dos seus sentimentos.
  Álvora de Campos revela-nos a natureza múltipla da sua alma, ou seja, diz-nos que se sente múltiplo daí sentir-se perdido, sem dignidade, ele no fundo diz que sente não ser ninguém.(V.1 e V.2)

     A alma partida é a desmultiplicação do eu de Fernando Pessoa em vários (os heterónimos), mas esta desmultiplicação não resoltou, porque "partiu-se como um vaso vazio" e esse processo foi muito doloroso para o poeta.
  No verso 3 percebemos que o poeta nao planeou a sua dor, tudo lhe aconteceu por abrigação, ele próprio sentia-se literalmente deixado cair das escadas.
  Após a queda pelas escadas, ele e a sua alma partiram-se em demasiados pedaços que nada nem ninguém os conseguiria juntar novamente.
  Os cacos apresentados ao longo de todo o poema metaforizam a alma fragmentada do sujeito poético. Antes da fragmentação, o poeta, sentia-se "um vaso vazio", depois tem "mais sensções" do que tinha anteriormente.(V.6)

   O poeta diz que não passa de um "espalhamento de cacos", inútil, mas quando se parte existe um "barulho de queda".(V.7 e V.8)
  O sujeito poético sente-se frustado, porque embora sinta a presença dos deuses (V.9), mas eles não se importam de o deixar entregue à sua desgraça humana.(V.10, V.11 e V.12)
  Álvaro de Campos é condenado ao seu estado sem ser ajudado por ninguém, os próprios deuses mesmo cientes do que se está a passar apenas "olham e sorriem"(V.16), os deuses estam limitados à sua própria natureza que os impede de vir à Terra.(V.14, V.15 e V.16)
  Aqui a criada surge como intermediária à vontade dos deuses, não é a responsável, apenas apresenta-se como um instrumento nas mãos dos deuses. Por isso os deuses mostran-se "tolerantes à criada".(V.17)
  De todos aqueles cacos de que o poeta fala apenas um sobressai (V.19), faz com que o poeta se questione(V.20), o que nos faz perceber que apesar da indiferença dos deuses o poeta ainda permanece lá, ainda existe alguma vitalidade.
  No fim do poema, o poeta chega à conclusão de que a sua obra é como ele dispersa e desorganizada. O caco (a alma do poeta) é incompreendido, nem os deuses o compreendem por isso não têm compaixão para com o poeta.(V.22)