quinta-feira, 6 de junho de 2013

O Sonho - apresentação oral


O livro Memorial do Convento, de José Saramago, é um romance cuja ação central decorre no início do século XVIII. Retrata a personalidade do rei D. João V e narra também a vida de vários operários anónimos que contribuíram na construção do Convento de Mafra. Entre esses operários estava Baltasar, e o romance foca, entre outras coisas, o seu grande amor por Blimunda, mulher dotada do poder da ecovisão (ver o interior das pessoas). Apesar de ser um romance, apresentam-se na obra inúmeros aspectos que a tornam bastante complexa, como a crítica à igreja e as noções de justiça, sacrifício, destino, entre outros. O aspecto que vou apresentar, um dos principais da obra, é o sonho.


Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita.” – Capítulo XVI do Memorial do Convento


Um sonho é um objetivo pessoal que temos na vida, um objetivo para o futuro, pelo qual não devemos desistir, pois é aquilo que nos permite transpor os nossos limites pessoais e alcançar algo que nunca esperaríamos conseguir alcançar.

Na frase "são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita", bem como nas que a seguem, pode-se verificar que o autor considera que os sonhos são a motivação de viver dos humanos, e se perdermos a capacidade de sonhar não conseguimos viver.

Neste mesmo capítulo da obra, encontramos explícita a noção de recompensa ligada aos sonhos; os homens “bons” sofrem ao longo da vida, e a recompensa dos seus infortúnios é encontrada pelos sonhos, pois vai permitir uma distanciação temporária da dor, e é nestes que os homens conseguem realmente voar. Assim, podemos dizer que eles são até bastante importantes até para a nossa saúde mental, como vemos no Memorial o caso de D. Maria Ana que pelo sonho fugia da sua existência infeliz. A rainha, por causa do seu estatuto social, era constantemente subjugada pelas responsabilidades e pelo próprio marido, encontrando refúgio nos sonhos, os quais, apesar de lhe transmitirem um sentimento de vergonha e culpa, permitiam-na expressar a sua revolta em relação à situação em que vivia, concedendo-lhe um certo poder que a levava a ser algo mais do que rainha – uma mulher com total independência para poder explorar a sua sensualidade.

Os sonhos também têm a capacidade de influenciar não só os sonhadores como outras pessoas. Aliás, ao longo do tempo, sonhos ambiciosos como voar, navegar ou construir algo grandioso possibilitaram um progresso na sociedade. E até mesmo os sonhos mais pequenos como ter um filho vão desenvolvendo aos poucos o nosso mundo, tornando-o melhor ou por vezes pior.

Podemos por isso dizer, e até encontramos este tipo de pensamento na obra, que o mundo está como está porque alguns um dia sonharam que gostavam que fosse assim, e tiveram a vontade para o cumprir. Esta ideia é marcante no Memorial do Convento, como podemos ver por esta passagem que se segue:


Esse gancho que tens no braço não o inventaste tu, foi preciso que alguém tivesse a necessidade e a ideia, que sem aquela esta não ocorre, juntasse o couro e o ferro, e também estes navios que vês no rio, houve um tempo em que não tiveram velas, e outro tempo foi o da invenção dos remos, outro o do leme, e, assim como o homem, bicho da terra, se fez marinheiro por necessidade, por necessidade se fará voador


Como verificamos então, o sonho é um tópico central no Memorial do Convento, e é a partir deste que se fazem as grandes construções da obra.

Por exemplo, o convento de Mafra nunca teria existido se o rei D. João V não tivesse desejado ter filhos. E, para além de cumprir a sua promessa a frei António, também a construção do convento é realizada pelo sonho egoísta que o rei tem de se tornar um ser imortal. Assim, o sonho de um homem mudou a vida de muitos outros para pior, pois em vez de se importar com o sofrimento e o esforço sobre-humano que recai sobre aqueles que constroem o edifício, ou pela despesa descomunal que o projecto envolve, só se preocupa em alimentar a sua vaidade e sentido de grandeza. Os construtores do convento sofrem porque não partilham o sonho com o rei, a obra encontra-se alienada à sua vontade.

Mas o sonho pode também ser criador de algo transcendental, se a criação estiver ligada aos construtores pelo sonho, como é o caso da passarola. Esta é, inicialmente, o sonho de um único homem, o Padre Bartolomeu de Gusmão, mas acaba por ser partilhado por Baltasar, Blimunda e Domenico Scarlatti. Este sonho vai-se concretizar através do voo da passarola, graças à conjugação harmoniosa da ciência, trabalho artesanal, magia e arte musical com o empenho e vontade de ter sucesso de todas as personagens intervenientes.

A passarola representa não só o sonho de voar mas também o desejo de superar os limites humanos. Podemos então afirmar que esta, tal como o convento, é a matéria que resulta do sonho humano e da vontade que estes têm de se transcender.

Concluindo, o que o Memorial do Convento nos mostra é que o sonho, para além de ser a base dos nossos mundos pessoais, é algo poderoso que, quando bem aplicado, pode levar a uma elevação do sujeito a algo que o ultrapassa. Podemos ter tudo para realizarmos o nosso sonho, mas o mais importante é a vontade e fé para lutar por ele.



(...) só os pássaros voam, e os anjos, e os homens quando sonham” – Baltasar (pg 63 do Memorial do Convento)

Aos meus alunos do 12º ano

Este é o vosso último dia de aulas no Ensino Secundário, assim considerado de acordo com o calendário lectivo. Este é o último dia em que vos encontro nas circunstâncias específicas de uma sala de aula. Diz-se que estes dias são dias de despedida. É verdade. Por esse motivo, costumam ser feitos balanços e demais considerações acerca do passado. Neste caso seria de um passado comum que convosco tive o privilégio de partilhar.
Contudo, não é do nosso passado comum que me lembrei de vos falar hoje. Desse passado permanecerão as memórias que trazemos nas nossas lembranças e que a todos nós permitirão um dia convocar a nostalgia que nos alimenta nos momentos difíceis e que nos consolam em direcção ao futuro individual que cada um de nós tem pela frente.
O meu tópico final que hoje vos apresento, a alguns ao fim de seis anos, dirige-se ao futuro. A um futuro que, embora não tenha parecido muitas vezes, sempre esteve presente nas nossas aulas, até porque, num certo sentido, as pessoas de tenra idade ainda não têm passado e, apesar de viverem imersas num presente que fervilha, criando a ilusão de que apenas ele existe, só têm futuro.
De qualquer forma, como tudo aquilo que é de facto essencial, o futuro de que vos quero falar só pode fazer sentido se o conseguirmos contemplar de acordo com a nossa História, que o mesmo é dizer, de acordo com os valores da tradição cultural que nos molda e que, por sua vez, nós temos de moldar.
O tópico de que vos falo, enfim, é a Liberdade.
Ocorreu-me falar-vos de Liberdade, partindo de um autor antigo, de um dos maiores autores que a nossa civilização alguma vez conheceu: Dante Alighieri.
Não consigo conceber uma sociedade futura sem Liberdade e vocês serão os agentes que hão-de transformar essa sociedade.
A liberdade separa águas entre a cega escuridão infernal e a transparente alvorada “de um zéfiro oriental” que acolhe Dante e Virgílio no Purgatório. Esta é uma liberdade muito diferente daquela que nós, modernos, entendemos como tal. A nossa liberdade é uma liberdade política, assente no abuso de uma legislação ou de um poder opressor. É uma liberdade social, que resulta da necessidade e da desigualdade. É uma liberdade pessoal, não condicionada, resultante de uma realização pessoal de si, ou do prazer próprio. Falamos em liberdade de voto, de consciência, de opinião. É destes conceitos que falamos quando comumente falamos em liberdade. No entanto, quando falamos de Dante, a ideia de liberdade não é de uma liberdade de alguma coisa, mas sim de uma liberdade que provém de alguma coisa. Para Dante, a liberdade é o avesso da servidão. Numa carta dirigida aos seus contemporâneos, o autor da Commedia enuncia quatro verbos de coacção que delimitam com exactidão a ideia oposta à de liberdade. Os verbos são: dominar, obrigar, aprisionar, proibir. Para Dante, a liberdade resulta de um contraste e, por conseguinte, de um compromisso com o objectivo de ultrapassar a condição de escravidão.
Ao longo dos anos fomos lendo obras diversificadas. A literatura proporciona-nos a possibilidade de pensarmos e de, através das ideias que vamos construindo, desenharmos o nosso próprio destino, ou pelo menos de nos iludirmos perante a possibilidade de dominarmos o mundo, mesmo que esse mundo seja o do nosso quintal. Um quintal onde nos podemos sentir confortáveis, mas cuja ideia de permanência não está imune à vulnerabilidade dos tempos.
Há um par de anos, muitos pensariam impensável a supressão de direitos fundamentais a que hoje em dia vamos assistindo. De tal modo essa perda se tem processado de forma sistemática e precisa que, durante muito tempo, pareceu indolor. Contudo, com o tempo, e por via dessas perdas acumuladas, a nossa sociedade debilitou-se e a ideia de progresso imparável que durante muito tempo moldou o pensamento do cidadão comum, deu lugar a uma época de incertezas.
Não podemos dizer que não temos liberdade: de expressão, de voto, por exemplo. Contudo, o sentido do conceito de liberdade tem sido esvaziado. Vivemos num período histórico perigoso, movido pela necessidade. O homem que se quer livre é aquele que não vive da necessidade de satisfação das coisas básicas de vida. O homem que vive submerso na necessidade de satisfação daquilo que é básico passa a ter em risco, para além dos bens de satisfação imediatos, algo que é ainda mais importante: a sua dignidade.
O ponto a que chegámos requer pessoas informadas e capazes de conceber juízos críticos que proporcionem o restabelecimento de uma sociedade vigorosa e digna, e, por conseguinte, Livre.
Como podem observar, as notícias que vos trago não são as mais promissoras, porque implicam um trabalho árduo de restabelecimento de uma ordem nova, de um mundo novo em que os homens possam sentir-se de facto o centro das decisões mais importantes das suas vidas. Essa tarefa está destinada a ser cumprida pela vossa geração.
Desejo-vos coragem, tenacidade, teimosia na prossecução da tarefa.
O futuro está aí!

Resta-me agradecer a paciência que sempre tiveram para comigo e a forma sempre educada e gentil como me trataram ao longo destes anos em que a escola foi sempre um lugar muito agradável para mim.

Carlos Jesus

terça-feira, 4 de junho de 2013

Padre Bartolomeu Lourenço - Síntese Apresentação Oral

             O memorial do convento, um romance histórico, social e espacial, articula o plano histórico e ficcional, de modo a propor uma reflexão sobre comportamentos e sobre o mundo onde predomina a magia do inexplicável, ideia que nos é desde logo apresentada com a epígrafe de Marguerite Yourcenar:

        "Sei que caio no inexplicável, quando afirmo que a realidade, - esta noção tão flutuante -, o conhecimento mais exacto possível dos seres é o nosso ponto de contacto, e a nossa via de acesso às coisas que ultrapassam a realidade."

        Isto é, as vozes do narrador têm como meta a crítica aos tempos representados, mas sobretudo ao presente que vive. Implicam um contacto entre as duas realidades, de modo a compreender o que vai para além destas, o mundo em que vive. 

        Escolhi então como tema da apresentação o papel do Padre Bartolomeu Lourenço, isto porque é nesta personagem que se cruzam todos os conceitos, todas as críticas implícitas no espírito da letra. 

        Símbolo das novas ideias, causadoras de estranheza na sociedade, tornou-se alvo apetecido da Inquisição, paralelamente à sua simbologia sonhadora, capaz de despertar a vontade de transcender. 

        Carrega dentro dele o título de estrangeirado, por ir aprender lá fora aquilo que em Portugal é criticado, os novos conceitos. Título esse que está na base de uma crítica aos portugueses por se apegarem demasiado à definição do homem como bicho da terra, não tentando por isso o alargar dos horizontes. 

        Tem ainda a seu cargo o estatuto de voador, isto porque é o único a desprender-se da ideia geral de ser humano afirmando: "O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará", o que remete para a ideia de sacrifício como inerente à própria condição humana, constituindo metaforicamente uma glorificação aqueles que aceitam o desafio como um modo de aprendizagem e lutam até poder um dia atingir tudo o que sonharam. Deste modo, a personagem referida reúne em si o espírito de sacrifício, pela aceitação do seu sonho por parte dos outros, a vontade e a excentricidade, isto porque se deixa envolver demasiado pela vontade, como podemos verificar no excerto seguinte:

        “Pudesses tu ver a nuvem fechada que dentro de ti está, ou de ti, ou de mim, pudesses tu vê-la e saberias que é bem pouco uma nuvem do céu comparada com a nuvem que está dentro do homem”

        Esta ideia excêntrica da vontade como motor da vida que deu origem à sua loucura.

        Esta ideia de voador permite ainda ao narrador estabelecer uma distinção entre a fé e a religião como poder político, isto porque o padre apesar de crente e orador origina a critica à crise de fé, pela sua perseguição, visto que na obra a religião é vista a como o entretenimento dos poderosos, como meio de manterem a opinião e argumentação do povo na obscuridade, utilizando algo a que todos eles se apegam como comando do seu destino, assim, a religião em “O Memorial do Convento” é como que uma partido politico e não um ideal de religação e união dos que partilham a fé.

         A fé não implica dependência, uma pessoa crente pode e deve questionar a condição do homem, porque a realidade não se esgota nela mesma, esta é mais abstrata do que pensamos, o que nos é transmitido através da personagem do padre.
        
         Assim o narrador vinca a complexidade e excentricidade desta personagem, como um ser fragmentário e atormentado, algo explicito na seguinte passagem:

         “Três, se não quatro, vidas diferentes tem o padre Bartolomeu Lourenço, e uma só apenas quando dorme, que mesmo sonhando diversamente não sabe destrinçar, acordado, se no sonho foi o padre que sobe ao altar e diz canonicamente a missa, se o académico tão estimado que vai incógnito el-rei ouvir-lhe a oração por trás do reposteiro, no vão da porta, se o inventor da máquina de voar ou dos vários modos de esgotar sem gente as naus que fazem água, se esse outro homem conjunto, mordido de sustos e dúvidas, que é pregador na igreja, erudito na academia, cortesão no paço, visionário e irmão de gente mecânica e plebeia em S. Sebastião da Pedreira, e que torna ansiosamente ao sonho”
        
         Esta personagem constitui então o ponto de intersecção da narrativa visto que estabelece relações com os dois mundos, a corte e o povo. É por isto também espelho daqueles que apesar de se oporem às ideias do poder, apenas se encontram em contraponto a este, visto que necessitam da sua cobertura para a concretização dos seus sonhos.

         Saramago encontra então, nesta personagem o novo império, o futuro, onde é possível unir o conhecimento dos poderosos e o trabalho do povo, um dos significados da passarola. Assim, a loucura é também aplicada neste conceito, visto que pode significar a impossibilidade de tal união o que é uma crítica à sociedade da época. A passarola é então a harmonia entre o sonho e a sua realização porque viver é procurar a superação de nós próprios.


Catarina Torrinha