quinta-feira, 7 de junho de 2012

O Judeu, de Bernardo Santareno

Bernardo Santareno é um pseudónimo literário de António Martinho do Rosário e as suas obras incidem sobretudo nos temas da luta contra qualquer tipo de discriminação e da defesa da liberdade individual.
Nesta obra, o judeu, podemos identificar ambos os temas, na medida em que nos é apresentada uma luta contra a discriminação aos cristãos-novos (racial), bem como o carácter manipulador do regime que via no medo a chave para dominar o povo, daí o tema da liberdade individual.
O Judeu possui uma grande carga humorística, impulsionada pela personagem Cavaleiro de Oliveira, representando paralelamente uma crítica ao regime Salazarista e à Inquisição, nomeadamente ao Tribunal do Santo Ofício, pela perseguição injusta ao cristãos-novos (judeus convertidos).
Esta obra é focalizada na vida de António José da Silva, um jovem de 21 anos, estudante de direito que, logo no início do livro, é julgado num auto-de-fé juntamente com a sua mãe e outras pessoas onde ouve não só o julgamento, mas também os insultos desumanos do povo, visto serem acusados de não comprimento da nova-fé.
            Este jovem vive amedrontado, com receio da tortura por parte da inquisição, vivendo por isso toda a sua vida por trás desse medo que evidencia a crítica ao “roubo” da liberdade individual.
            A parte do rigor dos processos inquisitoriais, ele era o seu mais censor, visto que se deixou absorver pelo medo e era este que comandava a sua vida, não o seu próprio “eu”.
A sua inocência era defendida pelo Cavaleiro de Oliveira, uma personagem irónica que usava essa ironia como estratégia para insultar o medo e o terror dos portugueses, bem como o atraso económico e social do país. Chegou mesmo a definir Portugal como um relógio atrasado em relação ao resto da Europa.
Centrando-se no sucesso da ironia de Caveleiro de Oliveira, o Judeu, aproveitando um dos seus momentos mais corajosos, decide tentar conquistar o povo com o riso, algo com sucesso e que resulta no seu casamento. No entanto, aos 34 anos acaba por ser condenado, executado, num Auto-de-fé.
Este, por vezes parece mais solto e disposto a enfrentar tudo para provar a sua inocência e lutar contra a censura, no entanto, logo aparece alguém que lhe trás o medo e a insegurança com o objectivo de não o deixar evoluir e prosseguir, o que mais uma vez evidencia o tema da liberdade individual. O objectivo tanto dos inquisidores, como do estudante pálido em aparecerem nestas alturas era impedi-lo de continuar a mostrar quem era, tentado por isso fazê-lo esquecer-se da liberdade individual a que tem direito.
            O estudante pálido afigura a PIDE e, com olhares sinistros e movimentos assustadores, provoca em António José da Silva um medo devorador que o leva a fugir aquando a sua presença.
            Os inquisidores, pelo poder que têm, representam também uma fonte de medo para o judeu, no entanto não tão acentuada. Estes inquisidores possuíam um carácter austero, rigoroso e intolerante. No entanto, o primeiro inquisidor espelha o arrependimento dos seus actos. Arrependimento esse que logo é tapado pelo inquisidor mor que possui um carácter rígido e sem remorso. Adora o medo, e na seguinte passagem utiliza-o para convencer o primeiro inquisidor que faz o que está certo.

“Medo. O medo é preciso; indispensável. Até que na Terra seja o reino de Deus. Só o medo tem força para estrangular no homem a fome voraz do pecado.”

No fundo, ele define o medo como o principal castigo de um pecador, antes que qualquer execução. Sem medo, a Terra não seria a Terra e amedrontar os outros é realmente fazê-los sofrer, algo que é verdade, mas injusto, visto que esse medo não passa de um roubo á liberdade individual.
Todos estes medos, levam a um presságio do massacre, evidenciado por um pesadelo de Lourença Coutinho.

“Eu…vi…vi…! Deus abandona-nos! O Senhor extremista Israel!... Eu sei, eu vi! Foge António, foge!... A nossa raça está amaldiçoada…Todos mortos, torturados…O Senhor abomina Israel!...

A honra e a liberdade individual do povo são constantemente defendidas por Cavaleiro de Oliveira, um homem que usa a ironia, discernimento e frontalidade para apontar os defeitos de Portugal.

Após um momento mais solto de António que parece disposto a defender-se, logo aparece o Estudante Pálido que lhe causa o terror e insegurança e o faz fugir. Cavaleiro de Oliveira revolta-se, não só com a estratégia do medo, mas também com António por ter deixado que o medo comanda-se a sua vida.

“Medo. O mesmo medo que enruga a mais pura alegria, que gera cobras na cama dos amantes, que deita neve nos mais negros cabelos, que seca o leite no peito das mães…No meus país quem governa é o medo! Os olhos e os ouvidos do medo crescem e multiplicam-se por toda a parte: Nem o pai, nem a mãe, nem a esposa, nem o irmão servem de porto abrigado; armadilhas de traição eles podem ser também. Em Portugal, as varejeiras do medo por toda parte voam e em todas as cousas, vivas e mortas, de imprevisto pousam. Na Europa civilizada, Portugal é a fortaleza do Medo, espiões e polícias, os seus alicerces e guarda!”

Com isto, este pretende afirmar que o medo é o regime político em Portugal, pois é este e apenas este que condiciona o modo como o povo age e vive a sua vida. O medo comanda tudo e todos, excepto aqueles que desde logo se esforçaram para que este deles não se apoderasse.     
Apesar de exilado em Inglaterra, Cavaleiro sempre foi um homem muito preocupado com o povo Português, daí sucessivamente dizer “Iluminai o Povo de Portugal”.
Este livro permite-nos então reconhecer que quando o medo reside em alguém, torna-se mais forte que qualquer regime político, torna-se um comando da nossa vida.
É preciso então nunca deixar que este de nós se apodere, senão o desgaste físico e mental por este proporcionado torna-se um caminho mais rápido para chegar ao fim.

Catarina Torrinha