sábado, 8 de outubro de 2011

Sem Abrigo - uma opção de vida ou uma vida sem opção?

O nosso quotidiano civilizado está cheio desses seres que mantendo uma similar aparência física com o ser humano, afastaram-se de tal maneira da humanidade que perderam o seu laço comum. O fenómeno dos sem-abrigo, tal como se apresenta na sociedade contemporânea, pode ser considerado recente. As características da população que pede nas ruas ou que nelas pernoita alteraram-se na última década. Deixou de ser apenas o mendigo e o vagabundo, do sexo masculino, com idade avançada, para cada vez com mais frequência nos cruzamos com pessoas de ambos os sexos, cada vez mais novos, de diferentes etnias, muitos deles estrangeiros, com ou não deficiências físicas e mentais, estendendo simplesmente e muitas das vezes silenciosamente a mão, ou desenvolvendo pequenas tarefas (arrumar carros ou lavar os vidros pára-brisas) com o intuito de auferir uma pequena retribuição. A visibilidade deste problema social leva a que procuremos a sua compreensão no desenvolvimento socioeconómico da sociedade e na incapacidade de se gerarem mecanismos preventivos da situação dos sem-abrigo.
Como ponto de partida para o desenvolvimento do tema, adopto como definição que os “sem-abrigo” são aquelas pessoas, independentemente da sua nacionalidade, idade, sexo, condição socioeconómica e de saúde, se encontram sem teto, porque saíram de hospitais ou estabelecimentos prisionais, foram despejados por falta de pagamento das rendas, foram vítimas de violência doméstica, vivendo assim no espaço público, caravanas, barracas, carros, em buracos, estações de metro e comboios, contentores, são também as pessoas que não têm casa na verdadeira acepção da palavra (lar) e que vivem em alojamentos de emergência, lares provisórios, alojamentos para imigrantes, habitações precárias e albergues. Tapados por mantas ou apenas por papelões, os “sem-abrigo” passam a noite e depois, quando o dia clareia, vagueiam pelas ruas, sem destino certo, quase sempre à volta das mesmas ruas, pelos mesmos bairros e com as mesmas roupas. 

Os “sem-abrigo” caracterizam-se por serem maioritariamente homens, com instrução superior à escolaridade mínima, solteiros, de meia-idade, sem filhos, de nacionalidade portuguesa, com rupturas relacionais com a família, amigos, desempregados, com muitos anos de vida de rua e com elevadas taxas de alcoolismo e doenças psiquiátricas. As mulheres sem-abrigo constituem um grupo minoritário, em comparação com os homens, as mulheres tendem a ter menos escolaridade, mais filhos e menor abuso ou dependência de álcool.

Os factores que conduzem a situações de “sem abrigo” são essencialmente de quatro tipos: problemas familiares (conflitos relacionais, divórcios, falecimento de pessoas próximas), problemas de saúde (toxicodependência, alcoolismo, doença mental), falta de emprego e por último a falta de casa.
No fundo esta situação é despoletada por um conjunto de perdas de laços afectivos com a família, os amigos, a escola, o trabalho, a religião, o lazer. A perda destes laços leva o indivíduo a separar-se dos seus grupos de referência e muitas a vezes a auto excluir-se da sociedade. Os problemas familiares e a ausência de afectividade, leva a sentimentos de abandono e muitas vezes ao aparecimento de doenças mentais e dependências, que arrastam o individuo para a rua.
O problema da saúde é um factor importante, pois a maioria desta população apresenta graves problemas de saúde (físicos, mentais, toxicodependência e alcoolismo).

A vida na rua é feita de rotinas muito pobres, os dias são todos iguais e a única preocupação que o “sem-abrigo” tem é a sua sobrevivência ou seja a satisfação das necessidades básicas tais como encontrar comida e um lugar para dormir, estão sempre presentes.

Quanto às estratégias de sobrevivência, estes recorrem à mendicidade, à realização de pequenas tarefas informais e ainda utilizam as instituições.

Como conclusão para que estas situações problemáticas sejam resolvidas, dever-se-á analisar cada uma das situações individualmente, é essencial compreender a história de vida de cada individuo, perceber bem o seu percurso, a forma como chegou a esta situação, as competências adquiridas a nível escolar e profissional antes de entrar na rua, hábitos e costumes, interesses. Após esta fase inicial podemos partir para as suas necessidade, motivações, e em conjunto com o individuo podemos ajuda-lo a construir um projecto de vida futuro.
Considero ainda como necessário e indispensável que nestes casos as políticas sociais, possam garantir que de uma forma transitória que estas pessoas tenham acesso a uma habitação social digna com um mínimo de conforto, para iniciarem a sua nova vida.
Quando necessário deve-se iniciar este projecto de vida pela aprendizagem escolar e a formação profissional adequadas e realistas. Mais uma vez as políticas sociais deverão ter um papel preponderante, visando numa fase inicial a integração profissional destes indivíduos em postos de trabalho em entidades públicas, garantindo uma retribuição monetária, que lhe permita a sua sobrevivência fora da rua.
Estes apoios do estado devem ter um limite de tempo, suficiente para o individuo criar novos hábitos de vida mas não de forma a que se habitue a viver de subsídios.

Todos os seres humanos tem direitos e deveres. Encarar o fenómeno dos sem abrigo” como coitados dos pobrezinhos não ajuda ninguém a sair do ciclo reprodutivo da pobreza.
A visão paternalista, de lidar com as questões da pobreza não promove a eliminação da mesma. A igualdade de oportunidades para todos exige o exercício pleno de uma democracia participativa. Quem detém alguma responsabilidade sobre estas questões da pobreza deverá encará-la como uma questão humanista e não paternalista. Todos os seres humanos independentemente da sua condição socioeconómica têm direito à felicidade, ao amor, à ternura, ao bem estar de um lar. Não se trata de os abrigos darem comida e uma cama, trata-se de se criarem estruturas que possam conferir ao ser humano que se encontra na situação de sem abrigo o acesso à felicidade, ao amor e ao exercício pleno da cidadania de acordo com as suas reais capacidades. Não podemos exigir a um ser humano que já nasceu nas piores condições socioeconómicas, sem acesso à saúde, à educação, à cultura, ao desporto, ao trabalho e a um lar o mesmo que exigimos a quem sempre teve tudo à nascença. Cada ser humano é único, e todos merecemos que nos tratem com a dignidade que as constituições e os direitos humanos nos conferem.

Antes de serem sem abrigo são pessoas.

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