A obra “A Mensagem” de
Fernando Pessoa pode ser considerada como uma evolução entre a origem, fase
adulta, morte e ressurreição do próprio império.
Estes dois poemas pertencem à segunda parte; Mar Português,
o que corresponde a realização e concretização do sonho.
Nos vários poemas encontramos uma interacção entre a
espiritualidade de Deus, do Homem e do próprio universo.
Fernando Pessoa descreve um país perdido que precisa de fé,
após o desaparecimento de D. Sebastião, precisava de voltar as glórias do
passado!
Pessoa recupera ainda o conceito de quinto império, através
do intenso sofrimento da nação que faz antever a necessidade deste mesmo
império imaterial.
Este conceito também se encontra presente na Bíblia, através do sonho do rei da
Babilónia, este rei sonha com uma estátua com a cabeça de ouro, peito e braços
de prata, ventre e ancas de bronze, pernas de ferro e pés de barro,
interpretado por uma figura bíblica como sendo o nascimento e as quedas do
império que acontecem pela vontade de Deus.
Relacionei este conceito com as metamorfoses de Ovídio, e
com a degradação que vai acontecendo ao longo dos tempos.
Tanto Camões como Pessoa retratam a essência de ser
português, o sonho, a esperança e a realização de grandes feitos.
Estes dois poemas, são os dois primeiros do Mar Português, mar símbolo de vida,
morte e mistério.
O primeiro poema é intitulado “O Infante”, este infante é D.
Henrique, filho de D. João e D. Filipa de Lencastre, faz parte da ínclita
geração, é o impulsionador dos descobrimentos, símbolo de vontade e esforço, o
tratamento é feito na segunda pessoa, o que demonstra alguma proximidade e
cumplicidade.
O primeiro poema inicia-se com o seguinte verso: “Deus quer,
o homem sonha, a obra nasce”, desde o início é apresentado o encadeamento em
que a obra é resultado do desejo divino e do sonho humano. Este verso
encontra-se no presente o que demonstra o caracter intemporal e o domínio que
irá ter ao longo dos poemas.
A estrofe descreve também a vontade de Deus na unificação
dos povos.
O último verso “Sagrou-te, e foste desvendando a espuma” o
nascimento do império, através da descoberta dos mistérios, de forma gradual,
algo que relacionei com o véu que cobria a figura feminina nos “Lusíadas” e o mistério envolvente o que
desperta ainda mais vontade de conquista, mas tudo tem o seu tempo certo.
Este verso mostra também o exemplo do poder divino, uma vez
que o Homem põe em prática a vontade de Deus, neste caso o infante D. Henrique,
um herói em busca da imortalidade, tal como acontece na epopeia de Camões, há
uma realização terrestre de uma missão transcendente.
A segunda estrofe descreve o crescimento do império e a
revelação através de palavras como “Clareou” e ”Surgir”. Encontra-se no tempo
passado, é a descrição de acontecimentos passados.
Deus quer, o homem sonha e aqui há a concretização da
expansão e descoberta do mundo e do outro.
Mostra também a grandeza das descobertas portuguesas (“até
ao fim do mundo”), uma vez que Deus consagrou os homens às conquistas.
Na última estrofe do poema é nos apresentada mais uma vez a
missão de conquista, e a morte do próprio império, o que demostra a necessidade
do tal quinto império espiritual e eterno.
A palavra mar, aparece ainda com letra maiúscula o que
confere a este elemento um papel decisivo ao longo de toda a acção.
O último verso começa com o vocativo “Senhor”, o que mostra
mais uma vez a vontade de Deus como indispensável, “falta cumprir-se Portugal”,
um novo sonho, um Portugal como língua, cultura espirito e alma, um país com um
destino glorioso de alma, imaterial!
Para terminar a análise deste primeiro poema cito Agostinho
da Silva em “Um Fernando Pessoa”: “conta
agora a história em “Mar Português” mas avisa desde logo no poema “Infante” que
essa história não é a história de Portugal, mas o seu interrompido prólogo”.
Afirmação com a qual concordo, Pessoa vê a história de
Portugal como algo mais glorioso, as descobertas do passado, ou o futuro
baseado no quinto império.
O segundo poeta, reflecte sobre os medos e sofrimentos e o
que é necessário para os ultrapassar, descreve também o encantamento dos
navegadores na sua gradual aproximação, aquilo que tanto ambicionam, no fundo a
descoberta do mistério.
Existe a passagem do abstracto para aquilo que agora passa a
ser concreto!
A primeira estrofe do poema mostra em contraponto um mar
desconhecido (medos, noite, cerração, tormentas) e o mar conhecido (coral,
praias, arvoredos, desvendadas, abria, splendia).
Temos ainda a presença da palavra cerração, que simboliza o
nevoeiro, que podemos associar ao mito sebastianista, mas também ao
desconhecimento, ao contrário do que sugere a palavra sidério, associada à
luminosidade e à descoberta.
As naus da iniciação representam ainda as frágeis naus dos
portugueses, que movidas pela esperança desbravavam novos caminhos.
A segunda estrofe descreve as aproximações sucessivas dos
marinheiros, com a descoberta de pormenores.
Podemos analisar a passagem do horizonte para a realização
do desejo da descoberta, há a descrição das aves e das flores.
A estrofe termina referenciando a abstrata linha, que
simboliza o sonho, como mito; “o mito que é nada e que é tudo”, como é descrito
no poema “Ulisses”, mito como sendo algo eterno, desde que seja definido uma
abstrata linha (ambição).
A última estrofe começa com o seguinte verso: “ O sonho é
ver as formas invisíveis”.
Este sonho é o novo mundo, a luminosidade descoberta.
O verso encontra-se no presente o que mostra mais uma vez o
caracter intemporal, encontramos também uma antítese entre ver o invisível, o
que nos mostra a necessidade de ver mais além, depois do horizonte.
Posteriormente acontece a caracterização do sonho, movido
pela vontade e esperança.
No penúltimo verso encontramos palavras muito ricas
simbolicamente:
Árvore: renovação, evolução da vida, ascensão para o
céu, uma outra dimensão.
Comunicação entre três realidades, subterrânea (nosso
interior), superfície da Terra (nosso exterior, céu (espiritualidade).
Praia: liberdade, horizontes mais amplos.
Flor: amor, harmonia. O seu cálice é um receptáculo
da atividade celeste, tal como no poema “Infante”, a vontade de Deus é
imprescindível.
Ave: mundo divino, relação entre o céu e a terra,
elevação espiritual.
Fonte: origem da vida e neste caso da imortalidade.
O poema termina com “Os beijos merecidos da verdade”, a
recompensa que segundo Pessoa os portugueses são dignos de receber.
O sonho é nos apresentado como a capacidade de ver o
invisível, e assim alcançar a verdade, o prémio pelo esforço tal como
observamos nos “Lusíadas”.
O sonho é então o motor dos descobrimentos, movido pela
esperança e pela vontade, até atingir o quinto império.
Existe aqui um paralelismo com a epopeia de Camões, no Canto
IX, a “Ilha dos Amores”, mas Camões recompensa através dos sentidos e Pessoa
através da verdade.
A verdade do conhecimento, o verdadeiro quinto império!
Para concluir, nestes dois poemas Fernando Pessoa, retrata a
figura do infante que consegue concretizar as vontades de Deus.
Um homem capaz de pôr em prática o sonho, com vontade e
esperanças, características inerentes a um conquistador.
Consegue ver mais além, a cabeça de ouro e a primeira idade
de Ovídio, no fundo procura a paz e a espiritualidade – o Quinto Império, que
se relaciona com os valores de cada um e com a vontade intrínseca no ideal do
sujeito poético, a elevação espiritual de cada um, ultrapassando o horizonte
indo mais além do que aquilo que está aparentemente ao nosso alcance.
Procurar o que é desconhecido, não só novas terras, mas
principalmente aquilo que nos realiza e nos torna melhores pessoas, uma
expansão da mente!
Uma descoberta individual que acaba por influenciar uma
nação!
Mafalda B.C.
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