quinta-feira, 15 de novembro de 2012

D. Pedro e D. João


Os poemas que vou a seguir apresentar estão contidos na 1ª parte da obra Mensagem de Fernando Pessoa, intitulada "Brasão", mais concretamente no seu 3º momento - as Quinas. Estas simbolizam as cinco chagas de Cristo, sendo representadas por cinco figuras de elevado estatuto da história do nosso país (quatro irmãos da Ínclita geração* e um parente distante, todos da Dinastia de Avis ) que morreram por uma missão que os ultrapassava.


D. Pedro, Regente de Portugal

Claro em pensar, e claro no sentir,
E claro no querer;
Indiferente ao que há em conseguir
Que seja só obter;
Dúplice dono, sem me dividir,
De dever e de ser-

Não me podia a sorte dar guarida
Por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus,
Fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo o mais é com Deus!


D. Pedro era o filho preferido do rei, pelo que teve a oportunidade de receber uma educação excepcional para a época em que vivia. Isto transformou-o num amante da cultura, e levou-o a querer trazer mudanças para a pátria através das letras, formando uma ideia de Império Espiritual (o tal Quinto Império).
Nos dois primeiros versos do poema, Fernando Pessoa, que fala através de D. Pedro, dá-nos a conhecer as características que mais destacavam esta figura: a sua paixão pela cultura, a sua grande honestidade, e o facto de ser uma pessoa extremamente ambiciosa e decidida, que sabe o que quer e vai obtê-lo, independentemente do que possa ter a ganhar. Isto porque D. Pedro, ao planear o futuro da pátria, não pensava no que era melhor para si, mas sim o que era melhor para aqueles que estavam sob as suas ordens.
Mas, apesar de não ser ganancioso, a sorte escolhia não o proteger, pois não o considerava um dos seus. No entanto, ele não se importava com isso. Assim sabia que tudo o que conseguiu alcançar foi fruto do seu trabalho árduo e da sua vontade, e não mera sorte.
Era um homem honrado, de convicções fortes, sabia o rumo a tomar, e lutou pelas suas crenças até à morte, mantendo-se sempre fiel a si mesmo. Por isso mesmo morreu em paz, sabendo que nunca se desviou do destino que Deus lhe ofereceu, e tudo o que lhe aconteceu de mal foi por Sua vontade, podendo então ser lembrado para sempre como uma lenda ou mito.


D. João, Infante de Portugal

Não fui alguém. Minha alma estava estreita
Entre tão grandes almas minhas pares,
Inutilmente eleita,
Virgemmente parada;

Porque é do português, pai de amplos mares,
Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita - 
O todo, ou o seu nada.


D. João, para além do seu título de Infante, era também Condestável - 2ª figura militar mais importante no reino a seguir ao rei. Contudo, nunca chegou a ser rei, nem mesmo regente como o seu irmão D. Pedro, ou seja, não foi alguém a quem pudessem ser confiadas certas responsabilidades, pois estava rodeado de pessoas (a sua família) que podiam detê-las com melhores resultados. Apesar de saber ter em si as capacidades necessárias para trazer mudanças positivas à pátria, não conseguia aplicar esta potencialidade, outros mais capazes já o faziam por ele, pelo que se sentia inútil e inferior.
Assim, o seu destino parecia toldar-se perante o caminho destas grandes figuras históricas. Enquanto estas conquistaram "o inteiro mar", "o todo", a ele sobrou apenas "a orla vã desfeita", "o seu nada". D. João sofria,  então, devido ao facto de pensar que o seu destino de grandezas nunca seria cumprido. Porém, ele apenas olhava para os dois extremos, sem colocar a hipótese de talvez o seu destino ser algo que, apesar de não ser tudo o que ele ambicionava, também não ser insignificante. Talvez o seu destino fosse tão importante como o dos seus irmãos, pois enquanto o destes era a conquista e a glória imortal, o dele era deixar transparecer o rumo grandioso dos seus pares. 
Um povo é construído por homens que se destacam e por homens que se anulam para que outros possam brilhar - e todos têm o seu lugar no mundo.





* Ínclita geração = filhos de D. João I e D. Filipa de Lencastre. Foram pessoas fundamentais no estabelecimento de uma dada ordem para a pátria.

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