Mais um início de noite e uma longa caminhada até casa. Todos os dias
pelo mesmo caminho, passando pelas mesmas pessoas, mesmas lojas, mesmas casas.
No entanto, de à duas semanas para cá, mal aguentando o frio que me
congelava o nariz, reparei numa janela que dava para uma sala. Uma sala
quentinha e simpática até, com cores
vivas, uma mesinha de centro junto a
uma poltrona vermelha e um piano quase como novo, preto, muito bonito.
Nessa sala estava um casal dito normal a desfrutar de um final de
tarde. Ele lia o jornal, enquanto ela estava entretida com as teclas do piano, semivoltada para o marido. No preciso momento em que vi isso senti uma certa
inveja. Pensei: « Pessoas felizes as que moram aqui, não têm discussões, têm
mesmo aquele ar de quem tem uma vida perfeita, ser pressas sem preocupações a
nível de rendas, de perder o emprego(...)» e segui o meu caminho.
No dia seguinte repeti o processo, olhando para dentro daquela janela
fechada, e voltei a repeti-lo o resto dos dias.
Ao fim do sétimo ou oitavo dia, apercebi-me de que todos os dias,
sempre que passava por aquela janela, aquele “casal perfeito” tinha sempre a
mesma postura. Parei e voltei atrás, fiquei cuidadosamente a observá-los.
Morreria de vergonha se alguém me
visse naquelas figuras, perecia uma maníaca obcecada dos filmes.
Depois de um certo tempo armada em “ninja”, não notei alterações. Não
havia uma simples troca de olhares ou palavras, de afectos, de empatia. Apenas
dois indivíduos que partilhavam o mesmo espaço em posições opostas, ela no piano
agindo como se estivesse a queimar tempo e ele no sofá a prestar atenção ao
jornal. Ambos com um ar ausente. A única expressão alegre que poderia existir
era proveniente de um sítio inexistente naquele lugar.
Por momentos questionei-me, como é que alguém com uma vida estável,
sem altos e baixos, sem contratempos poderá estar naquele estado de espírito?
Como se nada valesse alguma coisa, afinal de contas têm a vida que qualquer um
desejaria.
Segui o meu caminho e por fim, já via a porta de minha casa e pensava
« Bom!, o jantar já vai feito, não tenho mais nada para fazer hoje, janto e vou
dormir para amanhã ir de novo para o trabalho.».
Depois de jantar quando me dirigia para o quarto, o André agarrou-me
pela mão e levou-me até à sala de olhos vendados.
Quando tiro a venda tinha a lareira acesa, um cobertor no chão, uma
mesinha com fondue de chocolate, fiquei boquiaberta e feliz ao mesmo tempo. Todo
o cansaço que tinha, desapareceu como que por magia. Perguntei-lhe o
porquê daquela surpresa e ele apenas me
respondeu «Porque não?O normal é chato!» sorrindo. Nesse momento apercebi-me
daquilo que aquilo que vira naquela casa,
não era a vida perfeita mas sim a rotina de duas pessoas que agiam como robôs
da sociedade e que contrariamente ao que achava, não eram eles que tinham a
vida perfeita, era eu.
Sem comentários:
Enviar um comentário