terça-feira, 4 de junho de 2013

Padre Bartolomeu Lourenço - Síntese Apresentação Oral

             O memorial do convento, um romance histórico, social e espacial, articula o plano histórico e ficcional, de modo a propor uma reflexão sobre comportamentos e sobre o mundo onde predomina a magia do inexplicável, ideia que nos é desde logo apresentada com a epígrafe de Marguerite Yourcenar:

        "Sei que caio no inexplicável, quando afirmo que a realidade, - esta noção tão flutuante -, o conhecimento mais exacto possível dos seres é o nosso ponto de contacto, e a nossa via de acesso às coisas que ultrapassam a realidade."

        Isto é, as vozes do narrador têm como meta a crítica aos tempos representados, mas sobretudo ao presente que vive. Implicam um contacto entre as duas realidades, de modo a compreender o que vai para além destas, o mundo em que vive. 

        Escolhi então como tema da apresentação o papel do Padre Bartolomeu Lourenço, isto porque é nesta personagem que se cruzam todos os conceitos, todas as críticas implícitas no espírito da letra. 

        Símbolo das novas ideias, causadoras de estranheza na sociedade, tornou-se alvo apetecido da Inquisição, paralelamente à sua simbologia sonhadora, capaz de despertar a vontade de transcender. 

        Carrega dentro dele o título de estrangeirado, por ir aprender lá fora aquilo que em Portugal é criticado, os novos conceitos. Título esse que está na base de uma crítica aos portugueses por se apegarem demasiado à definição do homem como bicho da terra, não tentando por isso o alargar dos horizontes. 

        Tem ainda a seu cargo o estatuto de voador, isto porque é o único a desprender-se da ideia geral de ser humano afirmando: "O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará", o que remete para a ideia de sacrifício como inerente à própria condição humana, constituindo metaforicamente uma glorificação aqueles que aceitam o desafio como um modo de aprendizagem e lutam até poder um dia atingir tudo o que sonharam. Deste modo, a personagem referida reúne em si o espírito de sacrifício, pela aceitação do seu sonho por parte dos outros, a vontade e a excentricidade, isto porque se deixa envolver demasiado pela vontade, como podemos verificar no excerto seguinte:

        “Pudesses tu ver a nuvem fechada que dentro de ti está, ou de ti, ou de mim, pudesses tu vê-la e saberias que é bem pouco uma nuvem do céu comparada com a nuvem que está dentro do homem”

        Esta ideia excêntrica da vontade como motor da vida que deu origem à sua loucura.

        Esta ideia de voador permite ainda ao narrador estabelecer uma distinção entre a fé e a religião como poder político, isto porque o padre apesar de crente e orador origina a critica à crise de fé, pela sua perseguição, visto que na obra a religião é vista a como o entretenimento dos poderosos, como meio de manterem a opinião e argumentação do povo na obscuridade, utilizando algo a que todos eles se apegam como comando do seu destino, assim, a religião em “O Memorial do Convento” é como que uma partido politico e não um ideal de religação e união dos que partilham a fé.

         A fé não implica dependência, uma pessoa crente pode e deve questionar a condição do homem, porque a realidade não se esgota nela mesma, esta é mais abstrata do que pensamos, o que nos é transmitido através da personagem do padre.
        
         Assim o narrador vinca a complexidade e excentricidade desta personagem, como um ser fragmentário e atormentado, algo explicito na seguinte passagem:

         “Três, se não quatro, vidas diferentes tem o padre Bartolomeu Lourenço, e uma só apenas quando dorme, que mesmo sonhando diversamente não sabe destrinçar, acordado, se no sonho foi o padre que sobe ao altar e diz canonicamente a missa, se o académico tão estimado que vai incógnito el-rei ouvir-lhe a oração por trás do reposteiro, no vão da porta, se o inventor da máquina de voar ou dos vários modos de esgotar sem gente as naus que fazem água, se esse outro homem conjunto, mordido de sustos e dúvidas, que é pregador na igreja, erudito na academia, cortesão no paço, visionário e irmão de gente mecânica e plebeia em S. Sebastião da Pedreira, e que torna ansiosamente ao sonho”
        
         Esta personagem constitui então o ponto de intersecção da narrativa visto que estabelece relações com os dois mundos, a corte e o povo. É por isto também espelho daqueles que apesar de se oporem às ideias do poder, apenas se encontram em contraponto a este, visto que necessitam da sua cobertura para a concretização dos seus sonhos.

         Saramago encontra então, nesta personagem o novo império, o futuro, onde é possível unir o conhecimento dos poderosos e o trabalho do povo, um dos significados da passarola. Assim, a loucura é também aplicada neste conceito, visto que pode significar a impossibilidade de tal união o que é uma crítica à sociedade da época. A passarola é então a harmonia entre o sonho e a sua realização porque viver é procurar a superação de nós próprios.


Catarina Torrinha

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