terça-feira, 12 de março de 2013

Apresentação oral do poema "Apontamento"

APONTAMENTO
Álvaro de Campos

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.

O
s deuses que há debruçam-se do parapeito da escada
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zangam com ela.
São tolerantes com ela.
O que eu era um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si-mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?

Um caco.

E os deuses olham-no especialmente, pois nao sabem porque ficou ali.


 Análise do poema

     O título deste poema afirma-se como uma anotação ou um esboço de um momento da vida do poeta marcada pela fragmentação e frustração, mas mostrando alguma vitalidade.
  O poeta inicia o poema com uma espécie de introdução em que nos apresenta diretamente o seu estado de espírito. Podemos também interpretar como uma confissão da parte do poeta acerca dos seus sentimentos.
  Álvora de Campos revela-nos a natureza múltipla da sua alma, ou seja, diz-nos que se sente múltiplo daí sentir-se perdido, sem dignidade, ele no fundo diz que sente não ser ninguém.(V.1 e V.2)

     A alma partida é a desmultiplicação do eu de Fernando Pessoa em vários (os heterónimos), mas esta desmultiplicação não resoltou, porque "partiu-se como um vaso vazio" e esse processo foi muito doloroso para o poeta.
  No verso 3 percebemos que o poeta nao planeou a sua dor, tudo lhe aconteceu por abrigação, ele próprio sentia-se literalmente deixado cair das escadas.
  Após a queda pelas escadas, ele e a sua alma partiram-se em demasiados pedaços que nada nem ninguém os conseguiria juntar novamente.
  Os cacos apresentados ao longo de todo o poema metaforizam a alma fragmentada do sujeito poético. Antes da fragmentação, o poeta, sentia-se "um vaso vazio", depois tem "mais sensções" do que tinha anteriormente.(V.6)

   O poeta diz que não passa de um "espalhamento de cacos", inútil, mas quando se parte existe um "barulho de queda".(V.7 e V.8)
  O sujeito poético sente-se frustado, porque embora sinta a presença dos deuses (V.9), mas eles não se importam de o deixar entregue à sua desgraça humana.(V.10, V.11 e V.12)
  Álvaro de Campos é condenado ao seu estado sem ser ajudado por ninguém, os próprios deuses mesmo cientes do que se está a passar apenas "olham e sorriem"(V.16), os deuses estam limitados à sua própria natureza que os impede de vir à Terra.(V.14, V.15 e V.16)
  Aqui a criada surge como intermediária à vontade dos deuses, não é a responsável, apenas apresenta-se como um instrumento nas mãos dos deuses. Por isso os deuses mostran-se "tolerantes à criada".(V.17)
  De todos aqueles cacos de que o poeta fala apenas um sobressai (V.19), faz com que o poeta se questione(V.20), o que nos faz perceber que apesar da indiferença dos deuses o poeta ainda permanece lá, ainda existe alguma vitalidade.
  No fim do poema, o poeta chega à conclusão de que a sua obra é como ele dispersa e desorganizada. O caco (a alma do poeta) é incompreendido, nem os deuses o compreendem por isso não têm compaixão para com o poeta.(V.22)


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