terça-feira, 12 de março de 2013

Autopsicografia _ Fernando Pessoa

Génese e a natureza da poesia.
O assunto do poema desenvolve-se em três partes, que correspondem a cada uma das estrofes.

1ª ESTROFE:

O primeiro verso contém a ideia fundamental do poema, "o poeta é um fingidor", explicado por meio de uma particularização centrada na dor.
 A poesia não está na dor sentida realmente, mas sim no fingimento dela.
Isto é, a dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser fingida, imaginada, tem de ser expressa em linguagem poética, o poeta tem que partir da dor real, “a dor que deveras sente”. Não basta, a expressão espontânea do real. Não há poesia, sem imaginação, sem que o real seja imaginado artisticamente.
É a interação do objecto artístico com a realidade objetiva que lhe serviu de base: “chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente”.

2ª ESTROFE:

O poeta apela à fruição artística da parte do leitor. Este não sente a dor real, a que o poeta sentiu, nem a dor que o poeta imaginou, nem a dor que eles (leitores) sentem, o que o leitor sente é uma quarta dor que se liberta do poema, que é interpretado à maneira de cada um.
Há na segunda estrofe referência a quatro dores: a dor sentida (real), a dor fingida pelo poeta (enquanto escreve), a dor real do leitor e a dor lida (interpretada).

3ªESTROFE:
 "E assim" : o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre a girar nas calhas da roda (que o destino fatalmente traçou) para entreter a razão ou seja par dar continuidade. São aqui marcados os dois pólos em que se processa a criação do poema: o coração (as sensações donde o poema nasce) e a razão (a imaginação onde o poema é inventado). Fecha-se neste fim do poema como que um círculo em que nunca se esgota interação sensação-imaginação.
A expressão “a entreter" pressupõem uma duração, uma repetição de um processo contínuo na criação. Tento que existe uma insistência do poeta no dito fingimento. Este processo é marcado pelas palavras finge, fingir e fingidor. O verbo fingir (do latim "fingere " = fingir, pintar, desenhar, construir) aponta não apenas para disfarçar, mas também para construir, modelar, envolvendo, assim, todo o processo criativo desenvolvido pelo poeta na produção do seu trabalho.
Além da repetição o verbo fingir, há ainda a do verbo sentir associado também à dor.
 A insistência na dor e no sentir está de acordo com o facto de o poeta ter tomado a dor como tema exemplificativo da criação poética e devido às sensações (o sentir) serem o ponto de partida dessa criação.
Nos pares fingidor/dor e razão/coração, em que se poderá ver uma certa intenção expressiva, se relacionarmos razão com fingidor e o coração com dor: ficariam assim em lugar de destaque, bem marcados os dois pólos de criação poética – as sensações e o fingimento.

Por sua vez, o título do poema ("Autopsicografia") pode levar-nos à conclusão de que o poeta quer explicar o processo psíquico que nele se passa, ao elaborar um texto poético.
Por meio do título, o autor quis significar que a teoria da criação poética, exposta no poema, de valor universal porque aplicável a todo o verdadeiro poeta, foi elaborada por via da auto-introspecção  por meio da qual Fernando Pessoa verificou o processo em si próprio. O título aponta para o palco de experimentação e verificação de uma teoria poética que o autor julgou de valor universal.

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