Génese e a natureza da poesia.
O assunto do poema desenvolve-se em três partes,
que correspondem a cada uma das estrofes.
1ª ESTROFE:
O primeiro verso contém a ideia fundamental do poema, "o poeta é um
fingidor", explicado por meio de uma particularização centrada na dor.
A poesia não está na dor sentida realmente, mas sim no fingimento dela.
Isto é, a dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de
ser fingida, imaginada, tem de ser expressa em linguagem poética, o poeta tem
que partir da dor real, “a dor que deveras sente”. Não basta, a expressão
espontânea do real. Não há poesia, sem imaginação, sem que o real seja
imaginado artisticamente.
É a
interação do objecto artístico com a realidade objetiva que lhe serviu de base:
“chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente”.
2ª ESTROFE:
O poeta apela à
fruição artística da parte do leitor. Este não sente a dor real, a que o poeta
sentiu, nem a dor que o poeta imaginou, nem a dor que eles (leitores) sentem, o
que o leitor sente é uma quarta dor que se liberta do poema, que é interpretado
à maneira de cada um.
Há na segunda estrofe referência a quatro
dores: a dor sentida (real), a dor fingida pelo poeta (enquanto escreve), a dor
real do leitor e a dor lida (interpretada).
3ªESTROFE:
"E
assim" : o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre
a girar nas calhas da roda (que o destino fatalmente traçou) para entreter a
razão ou seja par dar continuidade. São aqui marcados os dois pólos em que se
processa a criação do poema: o coração (as sensações donde o poema nasce) e a
razão (a imaginação onde o poema é inventado). Fecha-se neste fim do poema como
que um círculo em que nunca se esgota interação sensação-imaginação.
A expressão “a entreter" pressupõem uma
duração, uma repetição de um processo contínuo na criação. Tento que existe uma
insistência do poeta no dito fingimento. Este processo é marcado pelas palavras
finge, fingir e fingidor. O verbo fingir (do latim "fingere " =
fingir, pintar, desenhar, construir) aponta não apenas para disfarçar, mas
também para construir, modelar, envolvendo, assim, todo o processo criativo
desenvolvido pelo poeta na produção do seu trabalho.
Além da repetição o verbo fingir, há ainda a do verbo sentir associado
também à dor.
A
insistência na dor e no sentir está de acordo com o facto de o poeta ter tomado
a dor como tema exemplificativo da criação poética e devido às sensações (o
sentir) serem o ponto de partida dessa criação.
Nos
pares fingidor/dor e razão/coração, em que se poderá ver uma certa intenção
expressiva, se relacionarmos razão com fingidor e o coração com dor: ficariam
assim em lugar de destaque, bem marcados os dois pólos de criação poética – as
sensações e o fingimento.
Por sua vez, o título do poema ("Autopsicografia") pode levar-nos à conclusão de
que o poeta quer explicar o processo psíquico que nele se passa, ao elaborar um
texto poético.
Por meio do título, o autor quis significar que
a teoria da criação poética, exposta no poema, de valor universal porque
aplicável a todo o verdadeiro poeta, foi elaborada por via da auto-introspecção
por meio da qual Fernando Pessoa verificou o processo em si próprio. O título
aponta para o palco de experimentação e verificação de uma teoria poética que o
autor julgou de valor universal.
Sem comentários:
Enviar um comentário