quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Interpretação do quadro de Edward Hopper

Quando era criança, Emily tinha um diário no qual escrevia todas as coisas sensacionais que iria fazer quando crescesse, como dar a volta ao mundo ou ir a luxuosos bailes de gala onde seria um potencial alvo amoroso de um príncipe encantado. Tendo em conta que atualmente a maior emoção do seu dia é encontrar cereais integrais a metade do preço no supermercado, pode-se dizer que a sua vida ficara aquém do esperado. Não que ela se importasse muito de nunca ter conhecido um príncipe, mas às vezes desejava escapar à rotina e fazer algo mais emocionante.

Estes eram os pensamentos que lhe preenchiam a mente quando entrou em casa e pousou as compras no balcão da cozinha. «Preciso mesmo de uma folga desta vida aborrecida», pensou ela. «Nem que seja só por meia hora».

Acabou de arrumar os produtos e dirigiu-se para a sala, onde o seu marido se tinha instalado a ler o jornal. Sentou-se numa cadeira perto do piano e ficou um momento a contemplar aquele homem que tanto amava, antes de dizer com um tom incerto:

 - ...John?

 - Mm? - disse ele, olhos fixos no papel.

 - Tens alguma reunião hoje à noite?

 - Hoje não.

 - Então estás livre.

 - Sim, porquê?

 - Quero ir dançar.

Ao ouvir esta declaração levantou a cabeça, procurando nas feições da mulher algum indício de gozo.

 - Queres dançar? - perguntou, incrédulo.

 - Sim.

 - E de onde veio essa ideia?

 - A Paula está a organizar um baile de gala e eu quero ir.

 - Hoje à noite?

 - Sim. Vamos?

 - Claro que não!

 - Não? Porquê?

 - Oh Emily, sinceramente, já reparaste que esta semana não estive quase tempo nenhum parado? Dentro e fora de gabinetes, a fazer viagens para cá e para lá, e agora que tento descansar vens-me perguntar se quero dançar?

 - Eu só me queria divertir...

Com isto, John ficou um pouco apreensivo e falou com mais calma:

 - Desculpa, querida. Noutro dia vamos. Mas hoje só quero ficar aqui sentado a ler as notícias do dia.

 - Eu compreendo.

John ficou satisfeito com esta resposta e sorriu, voltando a sua atenção para o jornal. Mas Emily estava desapontada consigo própria. Ele trabalha tanto para lhe dar a melhor vida possível, interromper o seu descanso seria egoísta. Distraidamente, começou a dedilhar as teclas do piano enquanto pensava na desculpa que iria dar à Paula pela sua ausência.

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