Quando era criança, Emily tinha um diário no qual escrevia todas as coisas sensacionais que iria fazer quando crescesse, como dar a volta ao mundo ou ir a luxuosos bailes de gala onde seria um potencial alvo amoroso de um príncipe encantado. Tendo em conta que atualmente a maior emoção do seu dia é encontrar cereais integrais a metade do preço no supermercado, pode-se dizer que a sua vida ficara aquém do esperado. Não que ela se importasse muito de nunca ter conhecido um príncipe, mas às vezes desejava escapar à rotina e fazer algo mais emocionante.
Estes eram os pensamentos que lhe preenchiam a mente quando entrou em casa e pousou as compras no balcão da cozinha. «Preciso mesmo de uma folga desta vida aborrecida», pensou ela. «Nem que seja só por meia hora».
Acabou de arrumar os produtos e dirigiu-se para a sala, onde o seu marido se tinha instalado a ler o jornal. Sentou-se numa cadeira perto do piano e ficou um momento a contemplar aquele homem que tanto amava, antes de dizer com um tom incerto:
- ...John?
- Mm? - disse ele, olhos fixos no papel.
- Tens alguma reunião hoje à noite?
- Hoje não.
- Então estás livre.
- Sim, porquê?
- Quero ir dançar.
Ao ouvir esta declaração levantou a cabeça, procurando nas feições da mulher algum indício de gozo.
- Queres dançar? - perguntou, incrédulo.
- Sim.
- E de onde veio essa ideia?
- A Paula está a organizar um baile de gala e eu quero ir.
- Hoje à noite?
- Sim. Vamos?
- Claro que não!
- Não? Porquê?
- Oh Emily, sinceramente, já reparaste que esta semana não estive quase tempo nenhum parado? Dentro e fora de gabinetes, a fazer viagens para cá e para lá, e agora que tento descansar vens-me perguntar se quero dançar?
- Eu só me queria divertir...
Com isto, John ficou um pouco apreensivo e falou com mais calma:
- Desculpa, querida. Noutro dia vamos. Mas hoje só quero ficar aqui sentado a ler as notícias do dia.
- Eu compreendo.
John ficou satisfeito com esta resposta e sorriu, voltando a sua atenção para o jornal. Mas Emily estava desapontada consigo própria. Ele trabalha tanto para lhe dar a melhor vida possível, interromper o seu descanso seria egoísta. Distraidamente, começou a dedilhar as teclas do piano enquanto pensava na desculpa que iria dar à Paula pela sua ausência.
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