sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A história de um quadro

Querido diário,
O meu nome é Scarlett e gostava de partilhar um pouco da minha vida, não quero relatá-la ao pormenor  não quero por um tópico no que vou escrever como "o dia de hoje" ou "o sonho da noite passada", não quero escolher um assunto, quero só, hum, tentar explicar, escrever sobre o que me vem há cabeça, sem barreiras, sem limites, sem tópicos...
Hoje apercebi-me de uma certa rotina na minha vida, não o digo com desanimo nem vejo qualquer necessidade de mudar, é reconfortante ter algo constante, algo com que possa sempre contar. Não significa que a minha vida, que o meu dia-a-dia seja sempre a mesma coisa, que seja monótono, não! Não é sobre esse tipo de rotina que estou a falar, refiro-me á rotina de chegar a casa, ao espaço que é nosso, meu e da pessoa que escolhi e me escolheu também, um sitio que não é só meu mas onde há coisas minhas, que me pertencem, só a mim, à minha história pessoal.
Na nossa rotina ele chega a casa e senta-se no seu sofá ao pé do meu piano e começa a ler o jornal. Isso é a sua maneira de espairecer do dia, ao mesmo tempo eu sento-me ao piano e começo a tocar umas notas, não só para mim como faço as vezes mas para ambos. Ele inclina-se para a frente e eu toco de lado para poder olhar para ele enquanto ele fala comigo, tanto sobre o seu como o que vem no jornal. É a nossa hora, o nosso tempo diário em que estamos lá um para o outro, a fazer o que gostamos, o que não mudámos, o que é nosso. O seu gosto pela leitura e o diálogo e o meu gosto pela música. Foi a maneira, inconsciente, que arranjamos para não deixarmos de ser a pessoa que criamos, a pessoa por quem o outro se apaixonou. É como que uma espécie de acordo, eu toco para ele porque é o que gosto de fazer e ele lê e fala comigo porque é o que ele gosta de fazer.
Nunca achei que devesse mudar quem sou por outra pessoa nem nunca quis que mudassem por mim. Podemos adaptarmo-nos, fazer cedências mas não devemos deixar de fazer o que gostamos por outros.
O piano é algo que me pertence, algo físico que faz parte da minha história, no entanto quando estamos na nossa hora de rotina não estou preocupada em acertar em todas as notas, ter todos os tempos certos mas sim em tocar para nós, em conseguir ouvi-lo ao mesmo tempo que o faço, para nos lembrarmos que estamos juntos mas que isso não significa que somos um só, não tenho que abdicar da minha música nem ele tem de estar calado para a ouvir, não é uma pintura a preto e branco mas sim a cores, eu toco mais descontraidamente e ele lê coisas mais informativas, coisas que pode parar de ler por uns momentos e depois voltar ao mesmo sitio sem ter que recomeçar um raciocínio, como ler o jornal do dia. Pode não ser as coisas que ele mais gosta de ler nem as peças que eu mais gosto de tocar mas não nos importamos. E durante este tempo fazemos a nossa rotina, já a devemos fazer há alguns quatro anos no entanto, só hoje me apercebi de que era uma rotina e de que não vejo qualquer mal nela.

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