quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Síntese Apresentação Oral - Seccção III - "Chuva Oblíqua"


      O poema "Chuva Oblíqua" é característico do Interseccionismo, como já havia sido falado na apresentação da primeira secção. Deste modo, essa visão interseccionista, marcada pela subjectividade, é representada através das expressões geométricas, como a “horizontalidade vertical” na primeira secção e a “Diagonal difusa” nesta terceira. Estas expressões geométricas remetem para algo que não transparece nem o real nem o irreal, nem o espiritual nem o material, nem o real nem o imaginário, uma ideia que está subjacente ao próprio título, Chuva Oblíqua. A Chuva que é transparente e por isso mostra o que está além, mas ao mesmo tempo Obliqua, isto é, um transparente que não transparece, fica entre o real e o imaginário. Assim que a transparência da Chuva se une ao ar e à terra, voltamos ao domínio da subjectividade do “Eu”. 
      
      Se na primeira secção o interseccionismo era marcado pela dicotomia terra-água e na segunda secção pelo contraste luz-sombra (claro-escuro), aqui nesta terceira secção há uma intersecção entre presente e passado. 

      A intersecção destes dois planos (passado e presente) remete para a ideia da fragmentação do sujeito, do seu domínio real e do imaginário. O passado é uma recordação e, para Fernando Pessoa, este é definido como uma construção mental e não como um produto directo da emoção. Esta ideia é por vezes entendida com um fingimento. No entanto, para Fernando Pessoa, fingir não é rejeitar a sinceridade sentimental, é apenas descobrir como é possível estabelecer melhores relações não só com o mundo, mas consigo próprio e essa possibilidade só é plausível aquando uma certa distanciação do real. 

      Mas, do mesmo modo que a recordação como uma construção mental era entendida como um fingimento, também esta busca de melhores relações por meio de uma dissociação terrena é entendida como uma mentira. 

      A mentira é definida no Livro do Desassossego como “simplesmente a linguagem ideal da alma, pois, assim como nos servimos de palavras, que são sons articulados de uma maneira absurda, para em linguagem real traduzir os mais íntimos e subtis movimentos da emoção e do pensamento (que as palavras forçosamente não poderão nunca traduzir), assim nos servimos da mentira e da ficção para nos entendermos uns aos outros, o que com a verdade, própria e intransmissível, se nunca poderia fazer.”

      Esta passagem citada do "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares, estabelece um contraponto com o poema "Conselho", de Fernando Pessoa ortónimo, cujo tema central era a preservação da individualidade como essencial. Deste modo, se os outros nunca iriam perceber inteiramente aquilo que sente, então mais vale intercalar o real com o irreal num sentimento intelectual do que tentar transmitir o intransmissível, que ás vezes o próprio sujeito desconhece. 

      Nesta terceira secção de Chuva Oblíqua, esta dialéctica sinceridade-fingimento, consciência-inconsciência, sentir-pensar centra-se no encontro entre a experiência sensível e a inteligência, ou seja da sensação com o pensamento, isto é, a união entre a vida e o sonho que desfragmentam o sujeito poético.                   Deste modo, quando a experiência real se intersectar com o porto imaginário que nos liberta da realidade que o torna ausente (o sonho), é como se houvesse um encontro de si próprio, do seu "Eu" próprio e intransmissível, algo aparentemente inalcançável. 

      Assim, a terceira seccção de Chuva Oblíqua metaforiza o próprio acto de escrever com imagens, isto é, a criação. 

      Logo nos três primeiros versos é-nos apresentado um presente real desligado do passado imaginário, e imaginário porque passou a recordação a partir do momento em que deixou de ser presente. No primeiro verso "A Grande Esfinge do Egipto sonha pôr este papel dentro..." estão presentes dois símbolos, o Egipto e o papel, que representam o sonho e a realidade, respectivamente. A Grande Esfinge do Egipto é como que o elemento guardião da individualidade e, por isso, domina a própria folha em branco. As alusões à transparência remetem para a individualidade e, por outro lado, as pirâmides definem o sonho. 

      Nos versos "De repente paro.../ Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo" nota-se um mudança de plano, isto é, uma queda no fundo do inconsciente, na qual o sonho assume a primazia e há um domínio total total das imagens que o próprio sujeito criou, ao ponto de se sentir "soterrado sob as pirâmides". 

      No entanto, chega a haver um entrecruzamento do real com o imaginário, quando o poeta associa "o som da minha pena" ao riso da esfinge ("Ouço a esfinge rir por dentro"), altura em que há uma interrupção da interiorização total. 

      Os versos "Jaz o cadáver do rei Queóps, olhando-me com olhos muito abertos,/ E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo/E uma alegria de barcos embandeirados erra", remetem para a ideia de um diálogo mudo do sujeito poético consigo próprio, do qual surgem novas imagens, como os barcos e o Nilo, ambas representantes da transparência, do interior de si. 

      No último verso ("Funerais do rei Queóps em ouro velho e Mim!"), a expressão "ouro velho e Mim", é como que uma metáfora, onde a visão (funerais) acontece numa esfera ideal, isto é, tanto no presente real como no passado intelectual ("Entre mim e o que eu penso"). Este cruzamento de ambos os planos que durante todo o poema eram os dois fragmentos do poeta, nesta fase unem-se num só e determinam o encontro de si próprio. Deste modo, quando há uma visão que acontece simultaneamente no real e no imaginário, o sujeito poético depara-se com o encontro de si mesmo.  

      Os funerais são aqui a representação da morte, uma marca de um novo caminho que se confinar em si mesmo um começo e o fim, então a totalidade do sujeito poético é só um desejo que se verifica em cada secção individual de Chuva Oblíqua.  

Catarina Torrinha

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