A ÚLTIMA NAU
A
última nau e Prece são poemas da segunda parte – Mar Português - onde nos é
apresentado o percurso grandioso de Portugal, graças ao poder do sonho.
Os
doze poemas que a constituem correspondem ao tempo da “acção épica” movida pela
ânsia do desconhecido e pelo esforço heróico da luta contra o Mar – figurados
em “O Mostrengo”, “Mar Português” e “A Última Nau”.
Apesar de ser o tempo de realização no final desta parte é referida a queda
de Portugal e o desgosto pelo que se vive. Na verdade é o tempo em que se
conquista um Império que depois se perde.
Poema:
Levando a bordo El-Rei Dom Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto, o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ancia e de presago
Mystério.
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Volverá da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.
Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minh'alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mystério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.
É-nos descrito um dia infeliz, de mau agouro. "Erma" era a
nau que navegava desamparada e só, enfrentando sozinha um destino adverso.
A ideia de que um mau pressentimento estava presente e que se predizia
algo é central.
"Deus guarda o futuro, mas projecta-o, sonho escuro e breve"-
só Deus sabe o futuro mas, como o Destino está traçado por vezes permite aos
homens entrevê-lo em breves lampejos indefinidos e escuros, apenas no mistério.
Pessoa afirma que "falta a alma" pois os portugueses não têm
alento, ânimo.
As duas últimas estrofes referem o regresso de D.Sebastião, que o poeta
diz ser certo embora não saiba quando. E ao regressar vem ainda com a
determinação de construir um império universal, não material, mas do espírito.
Este poema inicia-se em 1578 com a partida de D.Sebastião, entre sinais
de mau presságio, para Marrocos. A nau com a sua bandeira içada nunca mais
voltou e o embarque de D.Sebastião torna-se místico pelo seu desaparecimento
material e comparável ao do Rei Artur, após a batalha de Camlan, para a Ilha
Encantada de Avalon. Por essa razão o poeta pergunta "a que ilha
indescoberta aportou?". Com o desaparecimento de D.Sebastião morre,
aparentemente, o sonho de um império universal. Neste momento Fernando Pessoa,
que até agora se tinha referido ao passado de Portugal, diz, num aparte, que o
futuro é por vezes intuível aos homens e passa imediatamente a contar a sua
visão do porvir. A Última Nau volta e trás um vulto (O Desejado) que Pessoa assemelha
a D.Sebastião, que vem retomar a caminhada para o império universal- já não
material, mas espiritual- que será o Quinto Império.
Quanto mais a decadência toma conta de Portugal, mais se exalta pelos
exemplos do passado, o seu nacionalismo mítico enche-o num plano que não é
terrestre, mas infinito e vê o vulto de D. Sebastião.
Fernando Pessoa não sabe quando será a hora mas tem a certeza que o
regresso tão desejado vai acontecer, mesmo que demore.
PRECE
É o poema de transição da 2.ª para a 3.ª parte da obra.
Faz uma descrição negativa do presente e consequente saudade do passado.
Demonstração do desejo de novas conquistas. O Passado é representado pela
grandeza nacional (Descobrimentos) e o Presente pela saudade do passado, daí a
necessidade de recuperar o fulgor e o tom de esperança implícito no poema.
Poema:
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silencio hostil,
O mar universal e a saudade.
Mas a chamma, que a vida em nós creou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguel-a ainda.
Dá o sopro, a aragem- ou desgraça ou ancia-
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distancia-
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Logo no início do poema o poeta transparece a ideia de que passou o
tempo da nossa grandeza, tantos obstáculos vencemos que hoje perdemos a valia.
"a mão do vento pode erguê-la ainda"- tal como o fogo quase
extinto pode ser reavivado por um sopro, a Alma Portuguesa pode ainda
levantar-se. Debaixo
das cinzas ainda resta alguma esperança.
A repetição de "ainda" reforça a ideia de que nada está
perdido, de que a chama da esperança pode ser ateada, por acção do vento, isto
é, de uma mudança de atitude.
Em consonância com o título, o sujeito poético, em tom de súplica, pede
que um «sopro» divino ajude a atear a "chama do esforço", ainda que
se tenha de pagar com «desgraça» ou suportar o peso da "ânsia".
"E outra vez conquistemos a Distância, do mar ou outra, mas que
seja nossa!" - Independentemente da conquista, interessa “que seja nossa”
para recuperar a identidade e glória passadas. O desejo de sermos de novo
grandes entre as Nações vive permanentemente em Fernando Pessoa.
A quase totalidade dos poemas da Mensagem trata, até este ponto, da
glorificação do esforço português que cumpriu um destino que nos levou a
iniciar a grande Idade da Exploração. O poema anterior a este faz a ponte entre
o eclipse/desaparecimento de Portugal, com o desaparecimento de D.Sebastião, e
o tempo em que o poeta escreve. O presente poema conclui este ciclo da Mensagem
fechando-o com uma invocação do poeta à intervenção divina.
O sujeito poético apresenta-nos um Portugal decadente, marcado pela
indolência, pelo "silêncio hostil", pelo apego às coisas materiais,
sem capacidade de sonhar ("a alma é vil"), em contraste com a
"tormenta e a vontade" do passado.
Os últimos versos deste poema
fazem eco dos versos "Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. / Senhor,
falta cumprir-se Portugal!" do poema "Infante". Diz que falta
cumprir-se Portugal, querendo dizer que falta cumprir-se o destino glorioso (e
imaterial) da alma.
Já não temos as riquezas que dessas terras distantes trouxemos, mas
ainda temos a riqueza das culturas que trouxemos para a Europa e da cultura que
deixamos espalhada pelo mundo - o mais importante para uma alma que não é
pequena.
O poema Prece fala da possibilidade humana de renascimento, sempre
presente, ainda que a situação esteja distante dos tempos dourados.
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