segunda-feira, 13 de junho de 2011

"Alice no país das Maravilhas"

1. Introdução
A obra Alice no País das Maravilhas foi escrita por Lewis Carroll (pseudónimo de Charles Lutwidge Dodson). Mostra-nos um universo que mistura “sonho” e “realidade”, intrigante, seduzindo-nos através do fantástico. Mas, uma leitura mais atenta remete-nos para um romance complexo, uma vez que propõe as mais variadas interpretações, por abordar no seu contexto assuntos de diferentes temáticas.
Assim, a minha análise da obra vai incidir sobre a temática da justiça: o abuso do poder e a parcialidade na justiça, patentes sobretudo nos capítulos III, XI e XII.
 Quem tem o poder real? O julgamento faz sentido? É a Rainha que tem o poder, quando afirma: "A sentença primeiro, o veredicto depois". Logo, o julgamento não tem sentido, torna-se um simulacro de justiça ao serviço da coroa. A rainha é a caricatura de um omnipotente poder real.
No depoimento de Alice, o Rei decide limitar a entrada do tribunal para pessoas altas. Alice recusa a decisão e acusa o Rei de ter acabado de inventar tal artigo. O Rei afirmou que era o artigo mais antigo do código, ao que Alice retorquiu que então deveria ser o primeiro. O crescimento de Alice simboliza a sua entrada no mundo dos adultos e não tem medo de qualquer interrupção do Soberano. Ela nega a omnipotência da Rainha e sua paródia de justiça.
O narrador critica o Tribunal de Justiça e o poder real. Mais importante, mostra que crescer significa formar as suas próprias opiniões e não hesita em responder à injustiça, mesmo que seja posto em prática por um forte poder.
Ele critica o comportamento autoritário dos adultos que devem ser obedecidos sem ser questionados.
2. O abuso do poder e a parcialidade da justiça
Um dos trechos mais conhecidos da obra é o momento em que aparece a Rainha de Copas e o seu particular senso de justiça a sentença antes do veredicto.
A Corrida Presidencial é uma crítica velada do absurdo da política inglesa na viragem do século. Os animais correm em círculos ao acaso. O Autor implica que os políticos fazem o mesmo, comportando-se com muita pompa e circunstância, sem realmente realizar qualquer coisa.
Embora haja uma abundância de "regras", as leis do País das Maravilhas parecem uma paródia da justiça real. A Rainha de Copas, por exemplo, acha que a lei que protege as pessoas da repressão ilegal não deve ser violada, mas pede a cabeça do Valete de Copas por ter sido apenas acusado de roubar as tortas. Assim, a rainha viola o espírito da lei contra o roubar para satisfazer a necessidade lógica de que cada provação deve ter uma execução. O espírito da lei é, por assim dizer, sacrificado para satisfazer a reversibilidade da carta simbólica da sua lógica. No jogo de cricket, qualquer um pode ser executado por razões que só a rainha soberana sabe, que age como se ela fosse uma divindade com o poder de tomar ou dar a vida. Sob uma monarquia, o monarca está acima da lei. No País das Maravilhas, no entanto, o monarca é elogiado quando o comando for para executar alguém. Ignorar o comando da Rainha para degolar alguém é uma questão de sobrevivência, bem como da justiça.
O julgamento do Valete de Copas satiriza a lei e demais legislação por decreto pessoal. Alguém pode ter roubado as tortas, e pode muito bem ter sido o Valete. Mas a ofensa é trivial, e a sentença é apenas uma piada. Um dos problemas com a lei, em qualquer contexto é a sua aplicação. Quando a lei deixa de promover a harmonia, então o seu objectivo como regulador das relações humanas é subvertida. No País das Maravilhas a ideia de uma lei parece ridícula, porque o princípio gerador do País das Maravilhas é um caos. A injustiça, então, é uma consequência lógica de vida no País das Maravilhas. A regra de que a pessoa mais forte deve ser a lei - ou seja, a lei da anarquia. O julgamento do Valete é a prova desse estado lamentável de coisas. Felizmente, Alice é a mais forte do lote, e ela derruba a frase da Rainha cruel de execução e o tribunal selvagem. Não há nenhuma maneira de mudar a lei porque não há "lei". Através da sua rebelião, Alice serve a causa da sanidade e da justiça.
Alice percebe rapidamente que, num mundo sem sentido, a busca da verdade e da ordem só pode ser uma farsa. O Rei várias vezes exige um veredicto, mas nunca se materializa. O julgamento troça do processo legal. A importância dos pontos triviais substitui questões fundamentais de certo e errado, inocência e culpa. O absurdo do julgamento legal recorda a ridícula Corrida Presidencial, em que a actividade inútil serve como um meio para chegar a conclusões que nada têm a ver com os efeitos previstos das instituições. Assim como a Corrida Presidencial não tem vencedor claro, o julgamento não pode determinar a culpabilidade do Valete. Penso que é a própria noção de direito, ao invés de o Valete, que está em julgamento nesta cena. Tal como acontece com a Corrida Presidencial, o Autor acusa o sistema jurídico no País das Maravilhas, como forma de criticar o sistema legal.
Conclusão
Na minha perspectiva, a obra apresenta um mundo atravessado de irracionalidade, de situações absurdas e de diálogos desconcertantes, e, no entanto, é movido por uma lógica política implacável. Ela representa uma ordem opressiva em que prevalecem a violência, o medo, a coação, as ameaças, que se impõem de cima para baixo, numa estrutura hierárquica em que os mais fracos e vulneráveis são os mais expostos a actos arbitrários. É exatamente como se sentem as crianças e os jovens, num mundo dominado por gente grande, arrogante, autoritária e brutal. É como se sentem também as pessoas pobres, os deficientes, as minorias, os estrangeiros, os imigrantes e as criaturas da natureza. Alice, não nos esqueçamos, é uma estrangeira no País das Maravilhas.
O outro lado da história, ainda mais fascinante, é que, sendo uma criança, Alice não incorporou ainda a norma e o hábito da subserviência. Nesse sentido, onde quer que ela detecte alguma situação de prepotência ou desrespeito, imediatamente reage e encara o ser cruel de igual para igual, sem medo e sem dobrar a espinha. Ela implode a lógica do autoritarismo vitoriano. Só uma criança pode ter esse desprendimento de ignorar as regras que sustentam um sistema opressivo. Tal como o menino que um dia gritou que “O rei está nu!”. Portanto, Alice ainda é e sempre será a melhor lição de ética, de irreverência e de inconformismo, tanto para crianças quanto para adultos.
Acho que o Autor instiga-nos a procurar construir os nossos próprios valores baseados na nossa percepção do mundo, no confronto entre as opiniões/convicções nossas e as alheias - respeitável ou irreverentemente, dependendo das circunstâncias -, nas nossas reflexões e na melhor maneira de lidar com os obstáculos que a vida impõe, porém nunca transgredindo o bom senso.
Para mim a Justiça é, entre outros valores, virtude, liberdade, igualdade, racionalidade, boa vontade, boa fé, humildade ante a finitude da vida humana, moderação nas acções, honestidade e aplicação de sanções àqueles que não cumprirem as suas obrigações perante a sociedade.
 HEGEL tem uma frase que dá a ideia exacta da complexidade da Justiça: "A justiça não é um dom gratuito da natureza humana, ela precisa ser conquistada sempre porque ela é uma eterna procura".
Cabe-nos a cada um de nós conquistá-la para podermos ter uma sociedade mais justa e mais  harmoniosa.

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