I
“Introdução”
José
Saramago (1912-2010) foi um romancista, cronista, dramaturgo, poeta,
tradutor e diretor literário de jornais. Foi premiado, em 1998, com
o prémio Nobel da Literatura. Ao longo da sua carreira, Saramago
escreveu muitos romances que conseguiram provocar um impacto nas
diversas sociedades e culturas mundiais, bem como levar o leitor numa
viagem aos problemas do homem e do mundo. A personalidade do autor é,
como os seus livros o sugerem, multifacetada e sempre em busca do
sentido para esta efemeridade, que constitui a vida e o mundo. Um dos
mais belos exemplos dos trabalho saramaguiano é o Memorial do
Convento.
José
Saramago:
"O
Memorial
do Convento
é
uma reconstrução histórica a partir da ficção literária, porque
toda a narração está fundamentada no passado para compreender o
presente."
Jornal
de Letras, Lisboa, ano V, nº 190 de 25 de Fevereiro a 3 de Março
de 86.
Publicado
em 1982, o Memorial do Convento narra o período de construção
de um Convento, em Mafra, em cumprimento de uma promessa feita pelo
rei D. João V. Em simultâneo, é narrada a construção de uma
passarola, que faz parte do sonho de voar do padre Bartolomeu
Lourenço de Gusmão. Ao longo da obra, podemos acompanhar o
desenrolar da história de amor entre outras duas personagens:
Baltasar Sete-Sóis e Blimunda “Sete Luas”. Portanto, neste
romance, encontramos o plano histórico e ficcional continuamente
intercalados.
Observa-se,
durante a leitura desta obra, que Saramago tem uma intenção de
interferência do passado com o presente, com a particularidade de
conseguir utilizar a reinvenção da História como estratégia
discursiva para olhar a actualidade Por outras palavras, a História
torna-se matéria simbólica para reflectir sobre o presente, na
perspectiva da denúncia e dela existir uma moralidade que sirva de
lição para o futuro. Por isso, o Memorial do Convento não
só problematiza a História como procura, metaforicamente, exprimir
uma compreensão do mundo contemporâneo.
Para
além disso, o autor apresenta a obra como uma crítica cheia de
ironia e sarcasmo. Um dos exemplos das críticas realizadas é a
opulência do Rei e dos restantes elementos da nobreza, por oposição
à extrema pobreza do povo.
“Esta
cidade, mais que todas, é uma boca que mastiga de sobejo para um
lado e de escasso para o outro”
II
“Justiça
em Memorial do Convento”
A
justiça refere-se ao Poder Judicial e ao castigo
ou recompensa pública.
Desta forma, quando a sociedade “pede justiça” perante um crime,
o que faz é pedir ao Estado que garanta que o crime seja julgado e
castigado com a pena merecida, de acordo com a lei vigente. Assim, a
justiça é a divina disposição com que castiga ou compensa,
conforme merece cada um.
No
Memorial do Convento, encontramos uma sociedade que se
encontra dividida em vários sectores, cada um com o seu propósito e objectivo. Porém, vemos continuamente durante a obra, que a Igreja
estava a influenciar todos os restantes sectores (cultura, política,
estado, entre outros) e ao mesmo tempo realizando todas as missões e
finalidades que constituíam a sociedade portuguesa. Esta instituição religiosa, na altura, tinha imenso poder à sua disposição graças
à fé cristã que estava a ser praticada pela população portuguesa
da altura, especialmente o caso do rei D. João V. Assim, esta fé
servia para que o rei tivesse toda a sua confiança na Igreja, para
que esta consiga, de certa forma, dominar a sociedade da altura. Para
além disso, o povo estava a viver de uma forma mísera e pobre. De
tal forma que estava constantemente à espera de um milagre, fazendo
com que estivessem numa ignorância perante tudo o que estava a
acontecer na época. Podemos então dizer que a fé foi um dos principais “responsáveis” por esta dominância realizada pela
Igreja cristã.
Também
conhecida por Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição, criada pelo
Papa Gregório IX, no século XIII, servia para combater as heresias
religiosas que apareciam na Europa. Com o decorrer do tempo, a
Inquisição passa a ter influência em todos os sectores da vida
social, política e cultural, e, desde que haja uma denúncia, o
acusado está sujeito a torturas físicas e mentais, incluindo a
perda de bens e a morte. Os métodos utilizados pela Inquisição
como, por exemplo, os autos de fé e as procissões, são
continuamente um alvo de crítica de Saramago. Com
esta dominância da sociedade portuguesa, a Igreja usufruía desse
poder e da ignorância do povo para modificar a política e a cultura
portuguesa, de acordo com os seus valores morais e mandamentos.
"A
base da sociedade é a justiça; o julgamento constitui a ordem da
sociedade: ora o julgamento é a aplicação da justiça."
Aristóteles
Como
vemos nesta frase de Aristóteles, a justiça é a base da sociedade.
Sem a justiça, a sociedade fragmenta-se e permanece assim se não
houver mudanças significativas. No caso do Memorial
do Convento,
quando alguém é denunciado à Inquisição, esta pessoa não tem o
direito de se defender contra esta acusação. Por outras palavras,
as pessoas que, supostamente, fizeram algo de mal, não têm os
mesmos direitos que as que nada fizeram. Para além disso, na altura,
realizavam-se autos de fé e procissões, que serviam para julgar as
pessoas que não cumpriam com os dogmas religiosos.
Para
concluir, a Igreja da época, com todo o seu poder, tentava
“eliminar” todos aqueles que não correspondiam com os ideias
religiosos. Agora, tendo em conta com o conceito e a prática de
justiça que temos actualmente, a Igreja católica não estava, de
facto, a praticar justiça. Porém, se olharmos pelos olhos da
Igreja, será que podemos afirmar que eles não estavam a aplicar o
que eles achavam que era justiça? Eles não estavam a condenar
aqueles que achavam que fizeram algo de mal?
Por isso, digo que
o conceito de justiça é muito ambíguo, pois depende da cultura, dos
ideias e da época em que está a ser praticada.