Bernardo Santareno é um
pseudónimo literário de António Martinho do Rosário e as suas obras incidem
sobretudo nos temas da luta contra qualquer tipo de discriminação e da defesa
da liberdade individual.
Nesta obra, o judeu, podemos
identificar ambos os temas, na medida em que nos é apresentada uma luta contra
a discriminação aos cristãos-novos (racial), bem como o carácter manipulador do
regime que via no medo a chave para dominar o povo, daí o tema da liberdade
individual.
O Judeu possui uma grande carga
humorística, impulsionada pela personagem Cavaleiro de Oliveira, representando
paralelamente uma crítica ao regime Salazarista e à Inquisição, nomeadamente ao
Tribunal do Santo Ofício, pela perseguição injusta ao cristãos-novos (judeus
convertidos).
Esta obra é focalizada na vida de
António José da Silva, um jovem de 21 anos, estudante de direito que, logo no
início do livro, é julgado num auto-de-fé juntamente com a sua mãe e outras
pessoas onde ouve não só o julgamento, mas também os insultos desumanos do
povo, visto serem acusados de não comprimento da nova-fé.
Este jovem
vive amedrontado, com receio da tortura por parte da inquisição, vivendo por
isso toda a sua vida por trás desse medo que evidencia a crítica ao “roubo” da
liberdade individual.
A parte do
rigor dos processos inquisitoriais, ele era o seu mais censor, visto que se
deixou absorver pelo medo e era este que comandava a sua vida, não o seu
próprio “eu”.
A sua inocência era defendida
pelo Cavaleiro de Oliveira, uma personagem irónica que usava essa ironia como
estratégia para insultar o medo e o terror dos portugueses, bem como o atraso
económico e social do país. Chegou mesmo a definir Portugal como um relógio
atrasado em relação ao resto da Europa.
Centrando-se no sucesso da ironia
de Caveleiro de Oliveira, o Judeu, aproveitando um dos seus momentos mais
corajosos, decide tentar conquistar o povo com o riso, algo com sucesso e que
resulta no seu casamento. No entanto, aos 34 anos acaba por ser condenado,
executado, num Auto-de-fé.
Este, por vezes parece mais solto
e disposto a enfrentar tudo para provar a sua inocência e lutar contra a
censura, no entanto, logo aparece alguém que lhe trás o medo e a insegurança
com o objectivo de não o deixar evoluir e prosseguir, o que mais uma vez
evidencia o tema da liberdade individual. O objectivo tanto dos inquisidores,
como do estudante pálido em aparecerem nestas alturas era impedi-lo de
continuar a mostrar quem era, tentado por isso fazê-lo esquecer-se da liberdade
individual a que tem direito.
O estudante
pálido afigura a PIDE e, com olhares sinistros e movimentos assustadores,
provoca em António José
da Silva um medo devorador que o leva a fugir aquando a sua presença.
Os
inquisidores, pelo poder que têm, representam também uma fonte de medo para o
judeu, no entanto não tão acentuada. Estes inquisidores possuíam um carácter
austero, rigoroso e intolerante. No entanto, o primeiro inquisidor espelha o
arrependimento dos seus actos. Arrependimento esse que logo é tapado pelo
inquisidor mor que possui um carácter rígido e sem remorso. Adora o medo, e na
seguinte passagem utiliza-o para convencer o primeiro inquisidor que faz o que
está certo.
“Medo. O medo é preciso; indispensável. Até que na Terra
seja o reino de Deus. Só o medo tem força para estrangular no homem a fome
voraz do pecado.”
No fundo, ele define o medo como
o principal castigo de um pecador, antes que qualquer execução. Sem medo, a
Terra não seria a Terra e amedrontar os outros é realmente fazê-los sofrer,
algo que é verdade, mas injusto, visto que esse medo não passa de um roubo á
liberdade individual.
Todos estes medos, levam a um
presságio do massacre, evidenciado por um pesadelo de Lourença Coutinho.
“Eu…vi…vi…! Deus abandona-nos! O Senhor extremista
Israel!... Eu sei, eu vi! Foge António, foge!... A nossa raça está
amaldiçoada…Todos mortos, torturados…O Senhor abomina Israel!...
A honra e a liberdade individual
do povo são constantemente defendidas por Cavaleiro de Oliveira, um homem que
usa a ironia, discernimento e frontalidade para apontar os defeitos de
Portugal.
Após um momento mais solto de
António que parece disposto a defender-se, logo aparece o Estudante Pálido que
lhe causa o terror e insegurança e o faz fugir. Cavaleiro de Oliveira
revolta-se, não só com a estratégia do medo, mas também com António por ter
deixado que o medo comanda-se a sua vida.
“Medo. O mesmo medo que enruga a mais pura alegria, que gera
cobras na cama dos amantes, que deita neve nos mais negros cabelos, que seca o
leite no peito das mães…No meus país quem governa é o medo! Os olhos e os
ouvidos do medo crescem e multiplicam-se por toda a parte: Nem o pai, nem a
mãe, nem a esposa, nem o irmão servem de porto abrigado; armadilhas de traição
eles podem ser também. Em Portugal, as varejeiras do medo por toda parte voam e
em todas as cousas, vivas e mortas, de imprevisto pousam. Na Europa civilizada,
Portugal é a fortaleza do Medo, espiões e polícias, os seus alicerces e
guarda!”
Com isto, este pretende afirmar
que o medo é o regime político em Portugal, pois é este e apenas este que
condiciona o modo como o povo age e vive a sua vida. O medo comanda tudo e
todos, excepto aqueles que desde logo se esforçaram para que este deles não se
apoderasse.
Apesar de exilado em Inglaterra,
Cavaleiro sempre foi um homem muito preocupado com o povo Português, daí
sucessivamente dizer “Iluminai o Povo de Portugal”.
Este livro permite-nos então
reconhecer que quando o medo reside em alguém, torna-se mais forte que qualquer
regime político, torna-se um comando da nossa vida.
É preciso então nunca deixar que
este de nós se apodere, senão o desgaste físico e mental por este proporcionado
torna-se um caminho mais rápido para chegar ao fim.
Catarina Torrinha